quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

“Aos meus tetranetros”


É esta dedicatória que orienta o livro de memórias de Rómulo de Carvalho ( António Gedeão), editado pela Fundação Gulbenkian.

Durante 10 anos, o autor revela recordações da sua infância, quotidianos dos seus pais, avós e irmãs, preocupações de adolescente e jovem adulto – com pormenores interessantes e informações paralelas. Nasceu em 1906 e tinha 20 anos quando aconteceu a revolução de 1926…

Seguem-se as suas atribulações de professor de Físico-Químicas, de metodólogo e escritor – de livros escolares, alguns ´”livros-únicos” e vários de divulgação científica . Destes, lembro a “Física para o povo”( 1968) de que o autor autorizou uma edição nos últimos anos com o nome “ Física no Dia a Dia”.

Narra com cepticismo, humor e distância as suas relações com o poder político e com os poderes intermédios ( directores de escolas, editores, Sociedade Portuguesa de Autores, …). Analisa com crueza e desilusão a sua relação com colegas e com gente “do mundo das letras”. Rejeita o Estado-Novo e as liberdades pós 25 de Abril e diz que não gosta de viver : “ atravessei a existência sempre com a surpresa nos olhos, a amargura no rosto, a tristeza no íntimo; nunca me consegui adaptar à sociedade, nunca fui capaz de praticar uma injustiça ( consciente), um abuso, de recorrer a sofismas … Sem ser tímido ( porque os tímidos são capazes de tudo), nunca me senti à vontade em qualquer meio em que ingressasse – mas sempre lidei com toda a gente com a melhor cordialidade porque a minha inadaptação é profundamente interior sem reflexos externos. De um modo geral tenho a pior das impressões dos seres humanos …” Mas abre algumas excepções e menciona-as …

Ler este grosso volume com mais de 500 páginas pode ser interessante para mais jovens que muito aprendem e para gente da minha idade que viveu os mesmos tempos de docência antes e depois da revolução de Abril. E porque Rómulo de Carvalho guardou e procurou informação sobre tudo o que o rodeava, esclarecem-se dúvidas antigas que ficaram, sobre pessoas e factos .

E se existe em muitos a ideia de que “antes” é que havia bons professores e Escolas bem dirigidas, alunos estudiosos e disciplinados … nada como ler o testemunho deste homem que sempre foi um professor empenhado e não comprometido e constatar que as mudanças, embora turbulentas, conduziram a uma Escola mais responsável.

Mas aos tetranetos também quis contar a história do nascimento e morte de António Gedeão. “Nasceu” em 1954 depois de ter visto publicado o seu nome nuns poemas que enviara a um concurso. Não gostou do nome e pensou noutro : António porque um tio de quem gostava era António; Gedeão … tinha achado graça ao apelido de um seu aluno num Liceu de Coimbra. Nasceu António Gedeão para os poemas e outros escritos literários. Continuou Rómulo de Carvalho para os escritos de natureza científica. António Gedeão “viveu” e publicou até 1983. “Morreu” e dele ainda foram publicados Poemas Póstumos …

A poesia de Gedeão em volume denominado “Poesias Completas” tem tido sucessivas publicações e os seus poemas cantados são reproduzidos, usados e abusados em situações por vezes bem caricatas - como denuncia o autor.

O livro termina a 5 de Fevereiro de 1997, quando as forças se perderam. Ficou em branco a última linha : “ Faleci em ……”. Foi preenchida pela mulher Natália : 19 de Fevereiro de 1997.

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