Talvez porque o texto da peça a que assisti no domingo, no Teatro D. Maria, é realmente um texto altamente perturbador; talvez porque o tema das perdas, da morte, da doença, do sofrimento e da forma como cada um lida com essas realidades mexe muito comigo, ainda não tinha conseguido sentar-me e registar algumas impressões para o nosso Blog, coisa que geralmente faço ainda no calor da emoção que é sempre, para mim, uma ida ao teatro.
O texto “O Ano do pensamento mágico”, baseado numa história verídica vivida pela escritora americana Joan Didion, numa encenação de Diogo Infante, é denso e profundo. É um monólogo mas nem se sente que só há uma pessoa em palco. A Eunice consegue provocar um ambiente de cumplicidade com cada um de nós a quem se dirige, logo no início, olhos nos olhos – e como são expressivos os olhos da nossa querida actriz! Depois, durante a conversa que mantém connosco mais de uma hora, faz questão de nos lembrar que, se aquilo que está a contar ainda não nos aconteceu, um dia vai acontecer. Avisa-nos que “a vida se transforma rapidamente. Muda num instante”. E é com esta certeza que a acompanhamos numa trajectória de dor, solidão e saudade. Tudo perfeito – os tempos da narrativa, os silêncios, a expressão facial, o movimento do corpo, o aconchegar do casaco de malha que veste como uma segunda pele, os trejeitos da cabeça que todos já lhe conhecemos, a sensibilidade à flor da pele de alguém que abre o coração, numa intimidade inquietante. Até porque, pela primeira vez, ouvi alguém dizer o que tantas vezes eu já tinha pensado – o mais importante, depois de uma grande perda, seja ela qual for, é o primeiro ano, é o tempo que não queremos que passe, porque tudo está ainda tão vivo, tão presente. Parece mesmo que sentimos que, se o não agarrarmos, então, a dor e a saudade vão-se embora. Há, na verdade, um tempo para o luto que tem mesmo de ser feito, de outra forma corremos o risco de não sobreviver. É o ano do pensamento mágico.
Eu fico sempre “doente” depois de assistir a um desempenho da Eunice. E, desta vez, eu tinha lido muita coisa, tinha ouvido e lido muitas entrevistas, eu até estava bem avisada, eu tinha prevenido a minhas irmãs com quem vou muitas vezes a estes espectáculos mas, mesmo assim, fui surpreendida! Surpreendida e apanhada pela forma simples, directa e tão emotiva com que todo o texto, depois de interiorizado, foi compartilhado com os espectadores, uma imensa plateia rendida àquela figura frágil, sofrida mas tão cheia ainda de vida e de memórias bem frescas. E, de novo, o tema da morte e da passagem, vem associada a um rio, a um “barqueiro encapuzado que nos conduzirá ao outro lado do rio, com a certeza de que, desta vez, nos trará de volta”, como referiu Diogo Infante, que assina aqui mais um brilhante trabalho de encenação. E sente-se, numa simbiose perfeita entre actriz e encenador que também eles estão, a cada instante, a confrontar-se com as suas perdas, as suas dores, as suas memórias e saudades.
E, após uma hora e tal de espectáculo, quando a Eunice se ergue do cadeirão, termina a sua conversa e se retira do palco, enxugando uma sentida lágrima, o público fica, eu fiquei, esmagado pela silhueta daquela senhora de oitenta anos! Fiquei rendida a tanta força, a tanta sensibilidade, a tanta sabedoria da vida e das coisas do sentir. Quando a aplaudimos, as lágrimas corriam em muitos olhos e ela, emocionada mas sorridente e humilde, agradecia colocando as mãos unidas, junto do coração, um gesto a que já nos habituou e que feito por ela é tão bonito! Sozinha no palco, que grande lição de vida e de teatro!
“Amo-te mais do que apenas mais um dia.”, frase repetida ao longo do monólogo e que teimosamente aparece como verdade absoluta.
Parabéns, Eunice
O texto “O Ano do pensamento mágico”, baseado numa história verídica vivida pela escritora americana Joan Didion, numa encenação de Diogo Infante, é denso e profundo. É um monólogo mas nem se sente que só há uma pessoa em palco. A Eunice consegue provocar um ambiente de cumplicidade com cada um de nós a quem se dirige, logo no início, olhos nos olhos – e como são expressivos os olhos da nossa querida actriz! Depois, durante a conversa que mantém connosco mais de uma hora, faz questão de nos lembrar que, se aquilo que está a contar ainda não nos aconteceu, um dia vai acontecer. Avisa-nos que “a vida se transforma rapidamente. Muda num instante”. E é com esta certeza que a acompanhamos numa trajectória de dor, solidão e saudade. Tudo perfeito – os tempos da narrativa, os silêncios, a expressão facial, o movimento do corpo, o aconchegar do casaco de malha que veste como uma segunda pele, os trejeitos da cabeça que todos já lhe conhecemos, a sensibilidade à flor da pele de alguém que abre o coração, numa intimidade inquietante. Até porque, pela primeira vez, ouvi alguém dizer o que tantas vezes eu já tinha pensado – o mais importante, depois de uma grande perda, seja ela qual for, é o primeiro ano, é o tempo que não queremos que passe, porque tudo está ainda tão vivo, tão presente. Parece mesmo que sentimos que, se o não agarrarmos, então, a dor e a saudade vão-se embora. Há, na verdade, um tempo para o luto que tem mesmo de ser feito, de outra forma corremos o risco de não sobreviver. É o ano do pensamento mágico.
Eu fico sempre “doente” depois de assistir a um desempenho da Eunice. E, desta vez, eu tinha lido muita coisa, tinha ouvido e lido muitas entrevistas, eu até estava bem avisada, eu tinha prevenido a minhas irmãs com quem vou muitas vezes a estes espectáculos mas, mesmo assim, fui surpreendida! Surpreendida e apanhada pela forma simples, directa e tão emotiva com que todo o texto, depois de interiorizado, foi compartilhado com os espectadores, uma imensa plateia rendida àquela figura frágil, sofrida mas tão cheia ainda de vida e de memórias bem frescas. E, de novo, o tema da morte e da passagem, vem associada a um rio, a um “barqueiro encapuzado que nos conduzirá ao outro lado do rio, com a certeza de que, desta vez, nos trará de volta”, como referiu Diogo Infante, que assina aqui mais um brilhante trabalho de encenação. E sente-se, numa simbiose perfeita entre actriz e encenador que também eles estão, a cada instante, a confrontar-se com as suas perdas, as suas dores, as suas memórias e saudades.
E, após uma hora e tal de espectáculo, quando a Eunice se ergue do cadeirão, termina a sua conversa e se retira do palco, enxugando uma sentida lágrima, o público fica, eu fiquei, esmagado pela silhueta daquela senhora de oitenta anos! Fiquei rendida a tanta força, a tanta sensibilidade, a tanta sabedoria da vida e das coisas do sentir. Quando a aplaudimos, as lágrimas corriam em muitos olhos e ela, emocionada mas sorridente e humilde, agradecia colocando as mãos unidas, junto do coração, um gesto a que já nos habituou e que feito por ela é tão bonito! Sozinha no palco, que grande lição de vida e de teatro!
“Amo-te mais do que apenas mais um dia.”, frase repetida ao longo do monólogo e que teimosamente aparece como verdade absoluta.
Parabéns, Eunice
3 comentários:
Apanhei este espaço vazio. E corro a deixar aqui uma palavra sentida que eu queria tornar expressiva, de tal modo me impressionou o teu texto acerca do momento de teatro que viveste. O teu texto é belíssimo ! E o modo como salientas a presença e o desempenho dessa grande senhora do teatro e da vida, que é Eunice, mais as referências que fazes ao conteúdo da peça é às emoções que ela suscita é o melhor convite para que qualquer de nós sinta vontade de não faltar. Vou pensar seriamente nisso. Bjinhos .Irene
Belíssimo texto,minha Mana querida.
Engraçado,conforme o li,fui-me emocionando,novamente!
Belo momento.
Beijo.
isa.
Já tinha lido o texto mas aqui foi um ler diferente. Obrigada pela partilha que quis manifestar na hora mas não tinha internet.
bjinho
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