Os diferentes afazeres agendados para umas compritas de última hora levaram-me a fazer várias viagens de metropolitano. Tinha mesmo de ganhar tempo e voar de um extremo ao outro da cidade! Para mais, tenho passe…há que aproveitar. E correu muito bem! Como hoje não levava a habitual leitura das viagens, estava bem atenta ao que se passava à minha volta. Não é uma questão de bisbilhotice. É a inevitabilidade de quem está, nestes dias, sozinha nos cais e nas carruagens, apinhadinhos de gente. Está-se mesmo a ver que, sem eu querer, ouvi tantas conversas de telemóvel, sinais dos tempos e da falta de discrição das pessoas. Por isso eu digo que estive em vários filmes. Ora ouçam só alguns:
- fiquei a saber que a família de uma senhora dondoca vai ter uma ceia de natal à maneira, tudo comprado feito, numa loja de comidas prontas a servir, muito fina, lá para a Lapa, eu até sei qual é mas não digo, nem sequer é muito caro. É o Salvador que vai buscar tudo, quase, quase ao fechar da loja. Como faz muito pouco, paga e transporta, que é para isso que lhe serve o jeep e o pai rico;
- uma consoada bem diferente vai ter a família de uma cabo-verdiana gorducha e bem disposta, vestida de cores garridas, ajoujada de sacos e saquinhos, que ria e contava, ao telefone, a uma prima, tudo o que tinha comprado no mercado para preparar uma cachupa à maneira, para a família inteira. Sem o calor da terra, sem os pais e os outros irmãos, resta-lhe o marido e os sete filhos, poucas prendas mas…uma boa refeição, lá isso vai ter. Eu até fiquei com água na boca;
- um jovem falava, supostamente com um amigo, a quem pedia informações sobre uma loja de lingerie e o que devia comprar para a namorada. Cores, feitios, materiais, sei lá. Mas apercebendo-se de que muita gente o ouvia, voltou-se para a porta e falou mais baixinho, um tanto envergonhado;
- uma jovem questionava a avó, a quem elogiava os gostos literários, sobre o que havia de comprar, novidades, claro, para oferecer aos pais, aos tios, aos futuros sogros.. ela ia anotando tudo, repetindo em voz alta e balouçando ao sabor da cadência da carruagem de metro;
E, para finalizar - eu ouvi outras mas mais banais - aqui fica a que mais me impressionou. Estávamos parados numa estação terminal, cumprindo horário. Entra um senhor, muito agitado, exames médicos na mão, ao telemóvel, disparando recados e mais recados, dizendo que, da parte da tarde seria internado, para um cateterismo, uma coisa urgente e que ia a caminho do emprego, só para arrumar as coisas, desligar o computador e…voltar para o hospital. Num dos telefonemas pedia mesmo à interlocutora que fosse ter com ele, para um almoço ligeiro, tinha medo de morrer e queria vê-la uma última vez. Com a malícia própria das mulheres, entreolhei uma parceira ocasional de viagem e, apesar da aparente gravidade do caso, não pudemos deixar de sorrir. Quando as duas saímos na mesma estação, comentário da minha parceira - “ não devia ser a legítima, pois não?”. Sorri, não respondi, que é que eu sabia daquilo tudo? Subi as escadas a rir a bom rir, menosprezando o sofrimento do pobre homem! Durante a tarde, ainda desejei, no meu íntimo que o senhor se tenha safado desta.
Mais tarde, já numa paragem de autocarro, quando me pude distanciar dos outros passageiros, sem que me fossem impostas conversas que não queria ouvir, dei comigo a pensar que estas modernices dos telefonemas, muito úteis alguns, tão inconvenientes outros, acabam por perturbar a pacata vida de quem, como eu, gosta de passar despercebida por entre a multidão, de gozar da tranquilidade propícia ao desenvolvimento das suas reflexões e que, a cada instante é agredida por estas pedradas verbais.
Quando é que as pessoas se tornam mais cívicas, menos exibicionistas, mais respeitadoras da liberdade alheia?
- fiquei a saber que a família de uma senhora dondoca vai ter uma ceia de natal à maneira, tudo comprado feito, numa loja de comidas prontas a servir, muito fina, lá para a Lapa, eu até sei qual é mas não digo, nem sequer é muito caro. É o Salvador que vai buscar tudo, quase, quase ao fechar da loja. Como faz muito pouco, paga e transporta, que é para isso que lhe serve o jeep e o pai rico;
- uma consoada bem diferente vai ter a família de uma cabo-verdiana gorducha e bem disposta, vestida de cores garridas, ajoujada de sacos e saquinhos, que ria e contava, ao telefone, a uma prima, tudo o que tinha comprado no mercado para preparar uma cachupa à maneira, para a família inteira. Sem o calor da terra, sem os pais e os outros irmãos, resta-lhe o marido e os sete filhos, poucas prendas mas…uma boa refeição, lá isso vai ter. Eu até fiquei com água na boca;
- um jovem falava, supostamente com um amigo, a quem pedia informações sobre uma loja de lingerie e o que devia comprar para a namorada. Cores, feitios, materiais, sei lá. Mas apercebendo-se de que muita gente o ouvia, voltou-se para a porta e falou mais baixinho, um tanto envergonhado;
- uma jovem questionava a avó, a quem elogiava os gostos literários, sobre o que havia de comprar, novidades, claro, para oferecer aos pais, aos tios, aos futuros sogros.. ela ia anotando tudo, repetindo em voz alta e balouçando ao sabor da cadência da carruagem de metro;
E, para finalizar - eu ouvi outras mas mais banais - aqui fica a que mais me impressionou. Estávamos parados numa estação terminal, cumprindo horário. Entra um senhor, muito agitado, exames médicos na mão, ao telemóvel, disparando recados e mais recados, dizendo que, da parte da tarde seria internado, para um cateterismo, uma coisa urgente e que ia a caminho do emprego, só para arrumar as coisas, desligar o computador e…voltar para o hospital. Num dos telefonemas pedia mesmo à interlocutora que fosse ter com ele, para um almoço ligeiro, tinha medo de morrer e queria vê-la uma última vez. Com a malícia própria das mulheres, entreolhei uma parceira ocasional de viagem e, apesar da aparente gravidade do caso, não pudemos deixar de sorrir. Quando as duas saímos na mesma estação, comentário da minha parceira - “ não devia ser a legítima, pois não?”. Sorri, não respondi, que é que eu sabia daquilo tudo? Subi as escadas a rir a bom rir, menosprezando o sofrimento do pobre homem! Durante a tarde, ainda desejei, no meu íntimo que o senhor se tenha safado desta.
Mais tarde, já numa paragem de autocarro, quando me pude distanciar dos outros passageiros, sem que me fossem impostas conversas que não queria ouvir, dei comigo a pensar que estas modernices dos telefonemas, muito úteis alguns, tão inconvenientes outros, acabam por perturbar a pacata vida de quem, como eu, gosta de passar despercebida por entre a multidão, de gozar da tranquilidade propícia ao desenvolvimento das suas reflexões e que, a cada instante é agredida por estas pedradas verbais.
Quando é que as pessoas se tornam mais cívicas, menos exibicionistas, mais respeitadoras da liberdade alheia?
2 comentários:
E que filmes,kida!!
A tua "maneira" inconfundível de contar,de prender quem te lê!!
Beijo.
isa.
Pelas tuas histórias constato uma vantagem de andar em transportes públicos ... até tenho vergonha de confessar que é coisa que quase nunca fiz!! Perco alguma coisa, gasto gasolina, ganho outras ...
Gostei das tuas histórias ouvidas e contadas.
bjinho
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