segunda-feira, 9 de junho de 2008

Uma conversa de rua

Sair com um gato pela trela não é muito comum, mas o meu gato gostava de ser vadio e mia de fazer dó, junto à porta da rua … até sair.
Na rua, anda, corre, cheira pneus, grelhas de carros, plantas, esfrega-se no asfalto ou nos passeios, de barriga para o ar, como se fosse o lugar mais paradisíaco do mundo, deita-se e desafia a minha paciência, agacha-se quando se aproxima alguém de quem desconfia, fica indiferente quando é alguém de confiança. E é isto que me tem levado a trocar palavras, umas mais breves outras mais longas, com donas de outros animais (são essas as que merecem confiança!), umas mais velhas, outras mais novas. A conversa de hoje foi mais ou menos assim:
- Que lindo gatinho! E de trela! Ah! Como eu gostava de ter um gatinho! Mas sabe, minha senhora, estou casada há 52 anos e o meu marido não faz mal aos bichos mas não os quer em casa. E eu que tinha gatos e cães em casa dos meus pais … sabe, vim ali para aquela casa do gaveto quando tinha 5 anos – tenho 79. E ando aqui com uma dor debaixo do braço, desde que caí! A casa onde nasci na Rua Marquês de Sá da Bandeira (sabe onde é?), foi deitada abaixo. Não sei porquê …
- Tem que ter cuidado consigo mas olhe que está muito bem para os seus 79 anos …
- Pois é, mas também sofro do coração (e faz uma festinha ao gato que, sentado nas patas de trás, entre as minhas pernas, ouve atentamente). Sabe, eu costumava dar de comer aos gatos vadios, atirando-lhes comida da janela mas o porteiro, que agora comprou o rés do chão e construiu um telheiro no pátio, não gosta de animais e só quer criar mau viver no prédio. Diz que os gatos riscam o telheiro e o meu marido proibiu-me de atirar a comida. Mas sabe? Eu vou comprando umas latinhas.- que as há agora mais baratas naquela loja nova da rua …. e deixo à vizinha do 3º andar ( eu moro no 2º) e ela deita a comida para os gatinhos. Só posso trazer uma lata de cada vez porque, com as minhas dores no braço e as outras coisitas que tenho de comprar, fica muito peso. Mas hoje vou lá comprar 3 porque não preciso de fazer compras. Sabe, a vizinha também ajuda mas os gatos são muitos e temos de dividir a despesa. O meu marido nem sonha! ( eu olho para o relógio e espanto-me com a calma do gato …)
- Claro, não precisam de saber tudo …
- Pois é, que até é bom homem e estamos casados há 52 anos. Quando o namorava tinha um gato mas ele não gostava nada que ele se aproximasse dele. Tive de escolher … Bem, minha senhora, gostei muito de falar consigo e de conhecer este gato lindo. Já esqueci como se chama … AMON é verdade. (mais uma festinha)
- Obrigada e as suas melhoras.
Um sorriso e lá foi …
E eu que nunca falo muito com ninguém!

2 comentários:

Anónimo disse...

Ainda bem que o Amon está melhor.Quando ñ sabem ou ñ podem exprimir o sofrimento...ficamos muito tristes!! Uma festinha para ele.isa

Rosa dos Ventos disse...

Nem experimento a levar as minhas gatas à rua, mas tenho pena do seu ar de prisioneiras...
A Kicas, que é a do meio, passa grande parte do tempo sentada à entrada da porta para fugir para o corredor.
Para quem já viveu numa moradia com quintal não é fácil...

Abraço