sábado, 31 de maio de 2008

De um blog para outro: Welwitschia mirabilis



Li, num blog que visito regularmente, um apontamento sobre essa extraordinária planta. E recordei dois momentos:o único em que vi algumas welwitschias, no deserto de Moçâmedes e um caule da planta que, durante anos, permaneceu debaixo da mesa da televisão dos meus pais.
Não é uma planta bonita mas esmaga pela sua imponência. As que vi não tinham mais de 1m de diâmetro e talvez meio metro ou menos de altura mas há-as com mais de 1m de altura e mais de 4m de diâmetro. Diz-se que nos caules destas grandes plantas se pode esconder um homem … Será? Diz-se também que em Angola foram mais preservadas do que na Namíbia porque o medo das minas afastou as pessoas do deserto.
A estrutura da planta faz parte do seu fascínio: só tem duas folhas que crescem continuamente de um caule que se vai contorcendo provocando o rasgar das folhas, que, com o crescimento, também se vão esfarrapando – por isso parecem muitas folhas.
Os botânicos incluem-nas num ramo de transição entre as plantas sem flor para as plantas com flor mas as suas “flores” que ainda não são flores têm já estruturas masculinas ou femininas (em plantas distintas). Para atingirem as dimensões que se conhecem, têm uma vida longa – diz-se que as há com 2000 anos. No deserto de Moçâmedes os boschimanes diziam que as maiores tinham 1000 anos …
Muitas pessoas pensam que a Welwitschia por viver no deserto, deve ter folhas carnudas para armazenar água. Nada disso. São plantas que não resistem à seca … Por isso os desertos em que aparecem (Angola e Namíbia) estão junto à costa e as folhas têm estruturas que absorvem a água que se condensa, vinda nos nevoeiros marítimos. E a adaptação é tão perfeita que essas estruturas (estomas), que normalmente só existem na página inferior das folhas, também se desenvolveram na página superior.
Tenho um respeito profundo por estas plantas e acho que nelas está uma parte da minha alma … Não sei porquê. São sentires.

Nota: um caule de welwitschia, seco e envernizado.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Não TER DOM ou Não SABER VER?


Ao longo da vida, tenho deparado com várias pessoas, de diversas idades, que sempre que falamos em desenhar ou em pintar dizem não ter DOM ou não ter jeito.
Esta reacção sempre me intrigou e procurei, ao longo da minha vida profissional, estudar a razão desta descrença.
Tive alunos que, à partida, me avisavam da sua falta de jeito e faziam questão de o revelar na realização dos exercícios propostos. Quando me deram oportunidade de trabalhar, durante dois ou três anos com eles, foi possível desmistificar muito do que a acção cultural e sócio/familiar tinham formado no seu subconsciente. Foi possível ensiná-los a saber “ver” e a perder a utilização sistemática de “só olhar”. E se aprendermos a “ver” estamos a utilizar ferramentas importantíssimas que só desenvolvem as nossas capacidades mentais.
A confusão que se faz na nossa cultura…”desenhar e pintar é para artistas”!
Bebeu-se muito na família, ou nos primeiros professores que, também sem culpa, nos rotularam logo pelo nível da nossa expressão plástica.
Assim, após o ensino básico mergulha-se no esquecimento desta ferramenta , e quem sofre com isso?! - Especialmente o hemisfério direito do nosso cérebro.
O hemisfério esquerdo controla a fala e por ele ser mais rápido com “a sua tagarelice mental” convence-nos facilmente.
O hemisfério direito, atrelado aos sentimentos, é mais lento a reagir, logo é abafado nas suas pretensões.
O poder do lado esquerdo é responsável por manter uma programação mecânica de hábitos, em que se misturam a imaginação negativa, os preconceitos, os medos, as limitações. Enfim, ele mantém uma rede, desenvolvida pela própria mente, tão densa que, às vezes, a verdadeira realidade nos parece oculta e inacessível.
Se desenhar é uma ferramenta própria da linguagem do hemisfério direito, como exercitá-lo, se a maioria das pessoas pensa que a qualidade de desenhar é mágica, e que é um dom que só alguns têm!? O argumento parece contraditório, pois temos o potencial, mas não podemos exercitá-lo. Ocorre algo, assim como ter pernas e não poder andar; frente a esta conclusão devemos procurar outra explicação. Não será outro o segredo? Porque desenhar não é difícil, a questão especial é VER, ou mudar para um modo especial de ver. Ver com os olhos da mente, experimentar conscientemente a utilização do lado direito do cérebro.
Muitos artistas têm feito numerosos depoimentos sobre esta maneira especial de “ver”, que os leva a um estado de consciência em que se perde a sensação do tempo, experimentando um estado de relaxamento. Eles estão vigilantes, porém experimentando uma sensação aprazível e quase mística.

Há uns meses atrás dirigi um trabalho de grupo com pessoas bem crescidas e tive que as colocar na situação prática de desenhar e pintar. Muitas tinham esquecido a sensação de pegar num simples lápis de cor e, frente a uma folha branca, ficaram bloqueados. Passados alguns minutos, tinham ultrapassado a barreira e pareciam putos numa sala de 1º ciclo, felizes por retomar uma sensação esquecida!
Criar, sem intenção de ser artista ou compositor, o desenho, as cores e os sons são mundos a explorar para desenvolver áreas adormecidas do nosso cérebro.
Começar por aprender a “ver”, observar o que nos rodeia com pormenor, as formas mais regulares ou irregulares, a geometria na natureza, na arquitectura, a cor (vários tons que nunca vemos), a expressão de um rosto, de um corpo, de uma árvore, as tonalidades do claro/escuro e os meios tons. Depois, deixar a mão seguir o que a imaginação e a expressão desejam, sem constrangimentos e sem julgamentos…

Nota: voltarei a desenvolver estas questões noutra oportunidade.



quinta-feira, 29 de maio de 2008

Ementas escolares e não só

Li com agrado que a Câmara Municipal de Lisboa promove uma campanha nas Escolas com pré-escolar e 1º ciclo para que as refeições das crianças sejam mais variadas e nutritivas e também para que as receitas de peixe sejam mais atractivas.

Já idêntica preocupação tinha havido, em Inglaterra, com aulas dadas pelo famoso Jamie Oliver aos cozinheiros das escolas e mesmo aos alunos que reconheceram não ter o hábito de comer refeições confeccionadas em casa, uma vez que os pais não sabem cozinhar. E li também que, em França, um outro mestre de cozinha, Thierry Marx, pretende não só mudar os hábitos alimentares como também o ambiente dos refeitórios escolares: “ loiça, cor das paredes e até o mobiliário que vai incluir mesas altas, tipo bar, onde os jovens podem comer em pé e ecrãs de televisão” …
Assustei-me. Será que os nutricionistas estão de acordo em que é melhor para as crianças comer em pé e, sobretudo, vendo televisão ao mesmo tempo? Comer rápido e sem conversas … Espero que a moda não pegue – para já é só um projecto francês. E este, espero que não chegue cá.

Li na mesma notícia que a RTP1 vai ter um programa para crianças ensinarem a outras crianças como fazer “snacks ”saudáveis - gostava que no programa se dissesse antes sanduíches ou sandes saudáveis … É um começo.
Mas será que não se podia fazer um programa para os adultos reaprenderem a cozinhar refeições fáceis, rápidas e nutritivas? E face às dificuldades económicas que existem e às que se adivinham, porque não ensinar a fazer refeições variadas, equilibradas, com características mediterrânicas e de baixo custo? Seria uma boa aposta de serviço público.
E, já que a obesidade é um dos problemas de saúde mais graves deste século (mais do que a fome, dizem, e custa a crer), não poderiam as Juntas de Freguesia promover cursos presenciais, a custo simbólico, para ensinar a preparar refeições adequadas? Há velhos alimentos tradicionais que foram desvalorizados, há novos alimentos que têm de ser banalizados, há hábitos alimentares que são símbolos sociais e se devem desmistificar …

Se a obesidade e a fome são problemas mundiais há um caminho de informação e aprendizagem que se devia percorrer. E sai mais barato prevenir e defender os cidadãos de virem a precisar do Serviço Nacional de Saúde …

Nota: a notícia que referi foi publicada no jornal Expresso de 17 de Maio.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

A SENHORA DO BURRO

As notícias sobre o aumento de preço dos combustíveis e o texto sobre o “Pedibus” fizeram-me lembrar a “ senhora do burro” que conheci nos anos 70 e voltei a encontrar há 3 ou 4 anos.
Em 1974/75, vivi uns tempos na Ericeira e ia todos os dias para Mafra. Numa ida, na curva a seguir ao Seixal, assustei um burrito que levava uma senhora em cima para além dos dois cestos colocados simetricamente em relação ao dorso, já vazios depois da venda no mercado da Ericeira. A senhora caiu e eu vi-me muito aflita para parar o burro, acudir à mulher, ter a certeza de que ela estava bem e ajudá-la a voltar a montar o burro. Para mim já era uma senhora de idade …

Há 3 ou 4 anos, quando passei a fazer compras de fim de semana no mercado da Ericeira, encontrei um burro velhote, preso no cimo de uma ladeira, junto ao mercado. Percorri o mercado para descobrir a dona do animal e encontrei-a. Falei-lhe do atropelamento há quase 30 anos e era ela! Riu-se muito e, sinceramente, não notei que fosse mais velha do que a que minha memória retinha… Disse-me também que o burrito era o mesmo mas estava muito velhinho e já não o podia montar.

Há cerca de um ano, o burro morreu e no mesmo lugar encontrei uma jovem mula, muito pouco paciente. A dona contou-me como estava a ser difícil entender-se com a jumenta. E não teve com certeza tempo para se entender porque há meses, a senhora morreu. E, se já não vejo nenhum burrito levando legumes para o mercado, se calhar, qualquer dia, vão competir no estacionamento automóvel. Gostava!
Que pena a “senhora do burro” não estar cá para ver …


terça-feira, 27 de maio de 2008

DIA EUROPEU DOS VIZINHOS

Hoje o calendário assinala o Dia Europeu dos Vizinhos e eu não podia deixar de «postar» um pequeno apontamento sobre as minhas vizinhas.
Que seria de mim sem elas?

Aqui, no prédio, vive-se diariamente a proximidade, a solidariedade, a cumplicidade, a entreajuda, a companhia, a alegria, a risota, a partilha… tudo bem condimentado com um enorme respeito pelo espaço, pela intimidade, pelos interesses, pela vida e pela alma de cada uma.

Mas também há o bate papo e o cochicho, o emprestar da salsa, do ovo ou da farinha, o cafezinho que se bebe em conjunto, as iguarias que a melhor cozinheira distribui pelas diferentes casas, o arranjar da ficha, do computador ou do vídeo…

Há o estremecer com as alegrias e as tristezas de cada uma, os sustos e os sobressaltos, as boleias e a certeza constante de uma presença nas nossas vidas.
OBRIGADA, VIZINHAS!

PEDIBUS, UMA SOLUÇÃO!

De acordo com notícias recentes, na imprensa escrita e nos telejornais, em Lisboa, está a pegar a moda do Pedibus, moda que me pareceu muito curiosa.
Nascida na Austrália, na década de noventa, com a finalidade de reduzir o tráfego automóvel, a ideia tem vindo a ser acarinhada e posta em prática em vários países europeus. Está na ordem do dia, entre nós, tendo em conta, por um lado, os sucessivos e abusivos aumentos do preço dos combustíveis e, por outro, as fracas condições de conforto e de horário, de grande parte das carreiras urbanas.

Em que consiste, então o Pedibus?
De forma espontânea, alguns pais, em diferentes bairros, organizam-se e alternadamente, são os condutores, sem máquinas potentes ou sofisticadas, mas cheios de alegria e vontade de proteger e acompanhar as crianças mais pequenas, no percurso para a escola e no de regresso a casa. Até têm paragens devidamente assinaladas por onde passam e recolhem os miúdos que em conjunto se sentem mais protegidos, bem-dispostos e com mais vontade de ir aprender coisas novas. Sempre há uma conversa, umas risadas, uma cumplicidade, uma anedota, uma dúvida escolar esclarecida à última hora…
Muitos usam bonés e coletes coloridos para melhor se reconhecerem, sentindo-se verdadeiros elementos de uma de equipa.
A Câmara Municipal apoiou a ideia, organizou um manual do Pedibus e vai enviá-lo a todas as escolas, para ver se a ideia acaba por contagiar outros pais e alunos.

Tudo isto me trouxe à memória as minhas idas para a escola primária, que também foi feita, em grande parte, a pé, ora acompanhada pela minha irmã mais crescida, ora levada por uma vizinha que vivia no andar de baixo e que se oferecia para me levar, já que a minha escola ficava no seu trajecto para o trabalho.
E trouxe-me à memória o calor e a segurança que a minha pequena mão sentia na mão que me conduzia.
E como eu ia feliz para a escola! Sempre!

segunda-feira, 26 de maio de 2008

O Sismo e o Tibete



O sismo de Sichuan, violento e de consequências dramáticas para os milhares de chineses afectados, não deixou de ser aproveitado pelo governo chinês para centrar a atenção dos media no esforço para salvar vidas e no apoio aos sobreviventes. Ainda bem que a abertura ao mundo, dada pela organização dos Jogos Olímpicos e pelas agressões ao Tibete, permitiu que milhões de chineses fossem devidamente apoiados. Outros não tiveram a mesma sorte: mineiros, desalojados para a construção da maior barragem do mundo no rio Yangtsé e para a modernização de Pequim e de outras cidades por força dos Jogos Olímpicos.
E há o Tibete! Deixou de ser importante o diálogo com o Dalai Lama, deixou de ser importante discutir as políticas de Direitos Humanos de Pequim, quer no Tibete, quer noutras províncias do país, quer ainda os direitos dos cidadãos de origem rural quando deslocados nas grandes cidades.
É importante que “a árvore” não faça esquecer “ a floresta”.

Também é importante para nós pensarmos que o sismo deixou sem casa aproximadamente 5 milhões de pessoas – metade da população de Portugal!
Morreram ou desapareceram cerca de 90 000 pessoas e são aproximadamente 300 000 os feridos! Só na província de Sichuan. Quando se tem uma população superior a 1,3 milhares de milhões de habitantes e a apetência consumista é desejada e estimulada, compreende-se o interesse do ocidente no mercado chinês e as atitudes tomadas pelos governos de diferentes países quando se fala de Direitos Humanos na China.
Por mais que queiram mostrar-se solidários e interessados no bem-estar das pessoas, o governo chinês dificilmente engana. No entanto, o Dalai Lama, na sua infinita compaixão, ainda saúda “a transparência das autoridades”, acha que a China está a mudar e que é preciso ter esperança …
Não é essa a opinião dos movimentos de monges budistas que pretendem intervir socialmente e podem vir a dar novo sentido aos dois fundamentos essenciais da vida de Buda: sabedoria e compaixão, “as duas asas de uma ave, sem as quais não é possível voar”.

Nota: correu a notícia, acompanhada da fotografia seguinte, de que, militares chineses se vestiam de monges para provocar os distúrbios que a China pede ao Dalai Lama que contenha …

domingo, 25 de maio de 2008

O meu gato AMON (2)

Já tem 7 meses e há 5 que se instalou na minha vida passando a dominar espaços, tempos e atenções.
Tem um pelo cada vez mais dourado merecendo cada vez mais o nome de deus - Sol.
Já ganhou uma trela de gato crescido e outra para cinto de segurança …
Continua curioso, teimoso e, se pudesse, estaria sempre na rua.
Gosta de decorações minimalistas e por isso vai deitando ao chão os objectos que acha estarem a mais – são quase todos …Quando dorme é um descanso!
Mas eu gosto muito do meu gato.






DIA DE ÁFRICA

Só hoje soube que 25 de Maio é, desde 1972, o DIA DE ÁFRICA.
Para todos que amam esse continente, um alerta, uma esperança numa nova elite governativa que saiba, no futuro, governar os países africanos com honestidade, justiça, capacidade para potenciar riquezas naturais e humanas.
Esperança também em futuros governantes dos outros continentes para que saibam cooperar sem exploração.
Esperança na Humanidade! (faço o apelo mas não acredito …)

O dia 25 de Maio de 2008 não é para comemorar.

Nota: recolhi informação sobre o dia de África no blog: www.pululu.blogspot.com

sábado, 24 de maio de 2008

A MAGIA DA PRAÇA VERMELHA

Numa conversa entre amigos, já não sei bem dizer como nem porquê, veio à baila a Praça Vermelha cujas imagens alguns tínhamos revisto na TV. As opiniões divergiam mas eu defendia e defendo, que a praça que mais me marcou, até hoje, foi sem dúvida a Praça Vermelha. Tenho a felicidade de conhecer muitas praças bonitas, extraordinárias na sua arquitectura, história e beleza natural, mas esta é diferente!

E fica aqui a curiosidade sobre o nome da Praça, que não deriva nem da cor dos tijolos dos edifícios que a rodeiam , nem da cor vermelha a que habitualmente se associa o ideal comunista, mas sim de «krasnaya», que tanto pode querer dizer «bonito» como «vermelho», em russo, e terá sido, de início, o epíteto dado à famosa e lindíssima catedral S. Basílio, designação que, mais tarde passou para a praça.

Visitei Moscovo, com umas amigas, uma única vez, em 1984, antes da Perestroika, numa viagem organizada, com as vantagens e desvantagens que esse tipo de excursão tem mas que, à época, era a melhor forma de ir à Rússia.
Relembro o grande Hotel Rossia que tinha 3.000 quartos, corredores infindáveis, cortinados em veludo vermelho escuro, muito sumptuosos e que ficava estrategicamente situado a 3 minutos da Praça Vermelha.

A Praça é muito grande, rectangular, com pavimento de grandes paralelepípedos, bem negros e emblematicamente demarcada por quatro edifícios, todos diferentes que se casam magicamente numa harmonia única. Do lado sul, a Catedral de S. Basílio, verdadeiro castelo de contos de fadas, de onde esperamos, a cada momento que comece uma história de encantar e as cúpulas douradas das catedrais do Kremlin; do lado oposto o Museu de História, em tom brique escuro, com telhados brancos, como se estivessem sempre cobertos de neve; de um lado, os Grandes Armazéns do Povo, os GUM, segundo muitos, umas galerias em estrutura muito semelhantes às de Milão, mas muito decadentes, na altura; do outro, o ponto central da nossa atenção para a grande muralha do mausoléu de Lenine.

Impressionou-me imenso o asseio que se encontrava por todo o lado, tudo parecendo esterilizado, sem papéis no chão, imaculado. (dizem-me que agora está bem diferente!).

Para não me alongar muito mais, vou apenas relatar uma situação vivida na madrugada do nosso regresso a casa.
A hora marcada para o despertar tinha sido as 4 da manhã, a saída para o aeroporto, às 5 em ponto. Então, uma de nós propôs que fizéssemos uma directa e, para nos entretermos, por que não voltar, de noite, à Praça Vermelha, assistir ao render da guarda, que se realizava de hora a hora, junto ao mausoléu de Lenine, intrigadas que tínhamos ficado com a rigidez, o ar garboso e inflexível dos três militares, sempre muito jovens, loiros, muito bonitos que tínhamos visto em passos de ganso numa cerimónia impressionante pela austeridade e silêncio imposto aos visitantes por polícias atentos e com cara de poucos amigos.
Assim pensámos, assim fizemos…
Saímos do quarto e, logo no corredor, tivemos que trocar a nossa chave por um cartão, tipo passe, junto da funcionária que, de dia e de noite controlava a nossa ala. Já no hall do hotel, foi-nos pedido o cartão e substituído por outro, quando dissemos da nossa intenção de sair. Tudo feito com sorrisos, sem perguntas, sem objecções…. Sentíamo-nos personagens de um filme de espionagem…
Ruas desertas, noite tranquila, temperatura muito amena e sem o mínimo dos problemas, encaminhámo-nos em direcção à Praça Vermelha.
Aí demos umas voltinhas, sempre acompanhadas pelos faróis de um carro da polícia acesos sobre nós, até que fossem 4 horas… Que emoção! Sentimo-nos em absoluta liberdade-controlada, que estranho e que bom!
Não fomos realmente as únicas pessoas a terem aquela ideia mas fomos certamente as mais emocionadas e as que mais se aproximaram do gradeamento. E verificámos incrédulas, que tudo se passava com o mesmo rigor e o mesmo fanatismo. Aqueles jovens soldados, com ar bem cuidado, avançavam em passo de ganso, os passos ecoavam no chão frio e quase vazio da imensa Praça e permaneciam durante uma hora estáticos e disciplinadíssimos, sem um ligeiro mover de olhos, executando uma guarda de honra impecável.

Regressámos ao Hotel e, para nosso reconforto, a vigilante do nosso piso, apesar do ar robusto e severo, preparou-nos um chazinho quente, num enorme bule, que levámos para o quarto e que acompanhou o resto das nossas reservas alimentares até à hora da partida para o aeroporto.
Talvez tudo isto, aliado à indubitável beleza e equilíbrio da Praça Vermelha a tenha tornado, aos meus olhos, a mais bela e mágica praça que já visitei.





sexta-feira, 23 de maio de 2008

Uma história de contrabando


Noticiava-se há dias a descoberta de droga contrabandeada em frascos de puré de marmelo e de polpa de pêssego. É, ao que parece, um disfarce antigo porque mais ou menos há 40 anos, fiz o mesmo …

Estava em Moçambique e vinha uma ou duas vezes por ano a Lisboa: no Natal ou em Agosto. Passava por Luanda onde era sempre esperada por um casal de grandes amigos dos meus pais (!) que me presenteavam com um ramo de flores, que largava logo a seguir à porta de embarque, e me entregavam um saco com frascos de compota de manga. A compota destinava-se a uma senhora de idade que vivia na R. Defensores de Chaves.
Viagem após viagem lá fui transportando o doce que depois entregava à senhora, muito simpática e feliz por receber aqueles mimos …

Um dia, sentiu-se uma grande tempestade já perto do norte de África, quando os aviões passavam para altitudes mais baixas e os numerosos “poços de ar” não davam tréguas nem aos estômagos nem às bagagens de mão. O saco dos frascos tombou e um deles partiu-se. Para não ficar com tudo sujo, fui à casa de banho e despejei na sanita o conteúdo do frasco partido. Deitei os vidros no lixo, lavei os outros sacos e em Lisboa entreguei a encomenda referindo o acontecido.

Anos mais tarde, o tal amigo dos meus pais, em grande galhofa, contava ao meu pai o prejuízo que eu lhe tinha dado ao despejar o conteúdo do frasco de manga : um lote seleccionado de diamantes. E foi assim que ficámos sabendo como, durante anos, ele e eu tínhamos feito contrabando de diamantes da Lunda!

Talvez por isso sinto sempre pena dos “correios de droga”, principalmente quando são mulheres (e há tantas!) e quero acreditar que às vezes não sabem o que transportam.


quinta-feira, 22 de maio de 2008

Corpus Christi

«Corpus Christi é uma festa móvel da Igreja Católica que celebra a presença de Cristo na Eucaristia. É realizada na quinta-feira seguinte ao domingo da Santíssima Trindade.
A origem da solenidade do Corpo e Sangue de Cristo remonta ao século XIII. A Igreja Católica sentiu necessidade de realçar a presença real do “Cristo todo” no pão consagrado. A festa de Corpus Christi foi instituída pelo Papa Urbano IV com a Bula “Transiturus”, de 11 de Agosto de 1264, para ser celebrada na quinta-feira após a festa da Santíssima Trindade, que acontece no domingo depois de Pentecostes».
Assim, passados 744 anos cá estamos a festejar este dia.
Católicos ou não, todos temos direito a um dia “livre” sem as rotinas do trabalho.
Um feriado é sempre bem-vindo! Por isso talvez não questionemos uma lei da Idade Média.
O espírito religioso hoje é mais abrangente, outras crenças, outros modos de entender o Corpus Christi. O ser humano caminha para uma Nova Era, o conhecimento do físico e do espírito evoluíram muito e novas mentalidades espirituais estão aí para chamar o ser humano a um entendimento mais interiorizado com Deus.
Já não será necessária a hóstia sagrada da comunhão na missa para sentir a presença do “corpo e sangue” de Jesus. Basta criar a intenção desse “amor” e, numa meditação ou oração, deixar que o espírito de Deus se manifeste. E essa luz vai ver-se na serenidade, no amor, na paz que estará presente nas nossas vidas.
Admiro os verdadeiros católicos, aqueles que manifestam em si o Corpus Christi.
Mas dos que fazem da comunhão um acto banal, assistindo às missas como uma obrigação social e saindo delas igualíssimos, fazendo as suas maldades, sem amor pelos outros, sem compreensão, sem paz…desses desconfio um pouco, mas… quem sou eu para os julgar?!
O ser humano é dual e dessa dualidade hei-de falar, aqui, um dia, para partilhar o que tenho aprendido e o que hoje penso.





quarta-feira, 21 de maio de 2008

VIAJAR DE METRO

Retomei, desde Outubro, viagens regulares no metropolitano de Lisboa e tenho reparado que os portugueses, apesar de estarem a mudar de hábitos, de maneiras de estar e até de aparência, continuam a correr muito e andam geralmente carrancudos! A qualquer hora do dia, andam atarefados, parece que vão sempre numa urgência e deixou de haver horas de ponta. São tudo horas de aflição, de trabalho, de passeio, de agitação…
As principais alterações que tenho detectado são as seguintes:

Umas pessoas, ávidas de notícias diárias e …gratuitas, retiram os jornais dos diferentes pontos de distribuição. Estes matutinos são uma invenção recente que, além de informativos, tiveram o dom de pôr os portugueses a ler mais. E é engraçado ver nas estações e nas carruagens os narizes metidos dentro do papel de jornal. Não se olham uns aos outros, não, devoram aquela meia dúzia de folhas e, uma vez lidos, estragam a pintura – largam os jornais nos bancos, por baixo deles, disfarçadamente, no chão e, muito raramente, os colocam nas diversas papeleiras que existem nas estações.

Outras pessoas falam ao telemóvel, inovação muito recente das diferentes operadoras, e fazem-no numa perfeita indiferença por quem os rodeia. Falam alto, já que o ruído de fundo do metro, assim o obriga. E ouvem-se, mesmo sem querer, as conversas mais absurdas e originais. Ainda ontem, na carruagem em que eu seguia, ia um jovem empresário que durante o percurso, foi fazendo daquele recanto sem bancos, uma espécie de escritório. Ia resolvendo os diferentes problemas que lhe eram colocados do lado de lá do fio. Distribuía serviço, dava ordens, gesticulava, falava de dossiers e até teve tempo para recusar o menu que lhe propunham para o almoço, dizendo no meio de uma sonora gargalhada: «Jardineira não, pá, que a minha mãe impinge-me esse prato quase todos os fins de semana!»

Outras ainda, de cara bem fechada, ou adormecida, por vezes com i pod nos ouvidos, viajam noutra galáxia, ocupando, no entanto, o mesmo espaço físico.

Outros, mais raros ainda, vão namorando felizes mas não muito convictos.
Entretanto eu vou olhando à minha volta e vou lendo as pessoas, imaginando o que são, o que vão fazer, que pensamentos as ocupam, que histórias encerram…Sempre me divertiu muito este divagar.

Acabada a viagem, outra novidade…já não se vêem bilhetes jogados fora e espalhados pelos corredores. A nova moda do passe ou bilhete recarregável veio evitar esse desperdício, entretanto substituído, como já disse pelas folhas dos tais jornais diários gratuitos.
Resumindo e concluindo – os portugueses não mudaram nada: continuam macambúzios, pouco amigos do ambiente, gerindo mal o seu tempo, correndo sempre, sorrindo pouco, apesar de eu saber que as razões para a boa disposição são diminutas, mas, se fôssemos um pouco mais positivos, optimistas e idealistas, teríamos certamente uma imagem mais leve e acolhedora.
É uma experiência divertida viajar de metro em Lisboa!

(Imagem: Pintura de LIS)

terça-feira, 20 de maio de 2008

ERICEIRA


A Ericeira tem sido notícia por força da multa por uso “indevido” de bio-combustível. Naturalmente que a minha opinião é a do cidadão comum, com ligação ou não àquela vila: espanto, indignação. A Junta de Freguesia diz que não paga e eu estou com essa decisão – até porque, desde há 4 anos, estou recenseada na Ericeira.

Ericeira é “terra de ouriços”, não os do mar como durante muito tempo se pensou, mas terra de “ouriços-cacheiros”(foi encontrada a imagem de um num antigo brasão da vila). É menos bonito mas o ouriço-cacheiro invoca a deusa fenícia Astarte o que permite pensar ser o povo da Ericeira de origem fenícia (1000 a.C) e um povo de pescadores - hoje, aos naturais da Ericeira chamam-se “jagozes” (penso que não se sabe porquê, diz-se que foi para se distinguirem dos “saloios” …)

No séc.XIII, as baleias, toninhas e delfins eram espécies abundantes e da pesca na zona já havia notícias. Mais tarde foi importante a pesca de raia, rodovalho e pescada. No sec XIX, o porto da Ericeira era o 4º do país (depois de Lisboa, Porto e Setúbal) e, até ao desenvolvimento do caminho de ferro, manteve grande importância nas transacções comerciais e na pesca. De então para cá a importância do porto decresceu de tal forma que hoje a luta é pela sobrevivência de um pequeno porto de pesca. Diz-se que estão agora reunidas as condições para se fazer a adjudicação da obra. Será desta?

A Ericeira foi, até 1855, sede de concelho (passou depois para Mafra) e teve mesmo um “rei” : um falso D. Sebastião, residente em Sto Isidoro e que, depois de conceder várias mercês e receber tributos, acabou na guilhotina.
A fuga para o Brasil de D. Manuel II, da rainha D. Amélia e da sua mãe, D. Maria Pia, projectaram o nome da vila e era só por isso que constava dos livros de História.

A vila cresceu com o turismo, o comércio e a construção de novas auto-estradas ameaça mesmo vir a torná-la um dormitório de Lisboa – mais agradável do que outros, mas com os mesmos inconvenientes.

A Ericeira é a minha praia desde os 8 anos. Com desgosto, quase sempre … Detestava os nevoeiros em Agosto, o vento na praia e disse até há pouco tempo que “ quando pudesse ser eu a decidir, nunca mais lá punha os pés”. Mas lembro sem desgosto, os banhos de mar com chuva (em Agosto!), os domingos na piscina do “Hotel Turismo”, as caminhadas na rua do “Xico”, as aventuras no Parque de Sta Marta – pouco mais.

Bem, mas, os anos passaram e é na Ericeira o meu domicílio oficial … E até já há menos vento e menos nevoeiros em Agosto! De verdade. E continua a existir a ermida de S. Sebastião (hexagonal, Templária?), a Igreja de Sta Marta, as praias de fundos rochosos com poças cheias de anémonas, ouriços, mexilhões, algas castanhas, vermelhas e verdes, … E há as lojinhas que é preciso visitar em cada fim de semana, as pessoas que cumprimentam e são mais ou menos conhecidas, o mercado onde se compram legumes “ com pouco tratamento”, … Pena que o Parque de Sta Marta tenha perdido a graça e pareça “de plástico” . Em compensação é uma vila muito limpa onde há preocupações de reciclagem de lixos, de criação de um ambiente agradável, com esplanadas de Verão e de Inverno. É por força dessa preocupação com a reciclagem de lixos que a Junta de Freguesia foi multada em 7 000 euros …


segunda-feira, 19 de maio de 2008

VOLTEI À ESCOLA

Voltei a estudar… e… será que alguma vez deixei de o fazer?
Penso que nunca, pois todos os dias aprendo qualquer coisa de novo e sinto forte apetência por saber mais e mais …
Mas o que eu quero dizer é que, após a aposentação, decidi «pôr os neurónios em acção» e decidi que tinha chegado o momento de concretizar um sonho antigo – estudar italiano!
Mas estudar numa escola, ir às aulas, com professora de verdade, com colegas, com livros, caderno, lápis, borracha, canetas e os «malfadados» TPC. Passar-me para o lado de lá, lado que deixara de ser o meu há 37 anos!
E assim fiz. Inscrevi-me num Instituto e já vou a caminho do final do segundo semestre, com muito entusiasmo e alguns progressos.
Que língua maravilhosa! Que sonoridade cantante e romântica, com vocábulos muito semelhantes aos nossos, a mesma origem românica assim o justifica, mas com muitas particularidades na gramática e mesmo na pronúncia, se se pretende que seja próxima da correcta. A semelhança prega-nos partidas traiçoeiras… e o espanhol, que arranho como todo o bom português, interfere muitas vezes, só para atrapalhar!

Voltei a ser aluna! E com que entusiasmo tenho vivido experiências muito enriquecedoras e divertidas! Desde a preocupação para não chegar atrasada, até à escolha dos lugares dos diferentes alunos, na sala de aula, ao convívio, nos intervalos com os colegas, às correcções do trabalho de casa, à observação exigente que faço sobre cada aula: se foi ou não preparada com cuidado; se os materiais são ou não os mais adequados às nossas necessidades, se é uma aula dada com alma ou apenas para cumprir uma rotina, se é fruto de improvisação… e como eu sei distinguir bem umas das outras!

É tão engraçado sentar-me, agora, na plateia, que eu via de fora, e beber cada palavra e cada gesto da professora, sentir na pele o arrepio quando chega a minha vez de falar, o receio de errar, a alegria quase infantil perante um elogio, a vergonha e a pressa com que quero corrigir quando me é apontado um erro, o sentir que dentro de mim vive ainda o mesmo entusiasmo pelas coisas novas, quando ouço um sketch gravado, quando visiono um pequeno filme, quando resolvo jogos e exercícios, quando pratico pequenos diálogos com os colegas…
Terminada a aula, já pela rua fora, dou comigo a pensar como gostaria que os meus alunos também tivessem sentido o mesmo, muitas vezes! Algumas sentiram certamente!
Que bom ter voltado à escola, como aluna!

domingo, 18 de maio de 2008

Recordações de infância

Recordei há dias as viagens que fazia em criança, entre Luanda e Sto António do Zaire (Soyo). Embora não seja o caso de dizer “parece que foi ontem”, voltei lá atrás aquando da limpeza de fotografias que iniciei depois da LIS escrever sobre a “tralha”.
Da primeira delas, com 2 anos (afinal tinha 2 anos quando cheguei a Luanda, em 1947), no primeiro carro do meu pai (1ª foto), não me lembro nada … Mas das muitas outras que se seguiram, sim. Saíamos antes do Sol nascer e eu e a minha mãe, adorávamos vê-lo nascer entre as árvores esparsas da zona de savana, entre Luanda e o Norte. Era uma viagem monótona, estradas alcatroadas ou de terra batida, um carro ou outro de longe em longe, uma ou outra pessoa a pé, sinais de manadas que atravessavam a estrada e os embondeiros que me fascinavam. Para me entreter, a minha mãe dizia que tinha de contar os “altinhos” (havia imensas lombas na estrada), depois de já não ser novidade contar as “pontes” – havia muitas, sobre pequenos riachos ou entre zonas descontinuadas do terreno. Essas pontes eram feitas de tábuas sobrepostas que se estendiam entre os dois pontos de apoio, quase sempre soltas e em péssimo estado. Não se atravessava nenhuma sem primeiro ir ajeitar as tábuas. Depois, acelerava-se para passar rápido e olhava-se para trás comentando: “ ainda lá ficou!”.
E havia as travessias dos rios nas jangadas, movidas a remos ou através de cabos ligados à outra margem – a travessia era quase sempre em diagonal por causa das correntes. Ninguém pensava nos crocodilos que espreitavam no rio, nem se admitia a hipótese de não chegar à outra margem. (2ªfoto)

A chegada a Sto António do Zaire era sempre uma festa. Os meus tios não tinham filhos, eu era a única sobrinha e os meus pais as únicas visitas que recebiam de Luanda. Lembro-me de me encher de mamão e papaia ao pequeno almoço, de poder estar com os adultos à noite na varanda, das visitas que fazíamos a Matadi (no Congo Belga) onde o comércio era muito melhor que o do Zaire e a travessia se fazia num “vapor” (3ª foto).

De regresso pernoitávamos no Ambrizete, numa estalagem onde as mulheres ficavam num dormitório e os homens noutro. Numa das viagens, acordámos de noite ouvindo choros à volta do edifício. Ficámos assustadas e só de manhã soubemos que eram “vozes” de hienas que se aproximavam com frequência.

Uma vez, tivemos de fazer um desvio porque uma das pontes tinha desaparecido. Receando que a gasolina faltasse, fomos rolando por uma picada larga de terra vermelha ansiando encontrar alguém (adorava levar a cabeça de fora e ficar com metade da cara de outra cor …). A certa altura, vimos um caminhante a quem o meu pai perguntou se queria boleia e se havia por perto alguma povoação. Recusou o transporte e disse que “havia branco sim, já ali”. Ouvi esta frase durante anos, sempre que se perguntava a distância a qualquer lugar porque, “já ali”, foram cerca de 150 km… Encontrámos então uma propriedade para onde se entrava por uma arcada de vinhas tendo ao fundo uma “ casa portuguesa” – tal qual as dos livros, com azulejo de santo e tudo. Lembro-me bem dessa casa e de como fomos recebidos: com alegria, comida, banho e muita conversa entre adultos – eu fui brincar com as crianças e os animais da casa. E havia bidões de gasolina para vender!
A hospitalidade, a solidariedade, a confiança espontânea, parecem ser naturais no ser humano quando está isolado e anseia por comunicar. Que pena virar tantas vezes fera na defesa do território, quando, em sociedade, só deseja competir, vencer, ultrapassar. Gosto de viver entre seres que são excepção. E tenho muita sorte …



sábado, 17 de maio de 2008

CIGANOS DO MEU BAIRRO

No meu bairro vivem muitos ciganos. Quando aqui cheguei já eles cá viviam há décadas. Nessa época habitavam um bairro da lata, espaço que hoje é palco de construções luxuosas com condomínio fechado.
Estes ciganos foram alojados no mesmo bairro, em construções simpáticas, mandadas construir no tempo de João Soares. A política da época era a da “integração” social.
Os moradores do bairro confiaram e acreditaram.
Mas nem tudo correu bem.
Apesar de casas novas, do rendimento mínimo, de subsídios para os filhos e da escola obrigatória, os problemas de integração persistem e assumem por vezes contornos preocupantes. O principal obstáculo para uma efectiva integração assenta numa persistente auto-exclusão destes cidadãos portugueses, alimentada por algumas ideias, tradições e modos de vida desfasados do tempo e das exigências cívicas do País.
Apesar de tudo, os moradores do bairro têm sido muito pacientes e vão tentando dialogar e intervir. Eles não aceitam bem!
Mas gostaria de vos falar de uma cigana especial. Com idade imprecisa, entre os 60 e os 70 anos, alta, magra, com cabelo apanhado e enrolado num carrapito à moda antiga. Pescoço alto, porte sempre direito, imponência de rainha. Ela é a matriarca de uma numerosa família. Todo o bairro a conhece e trata por D. Maria.
Está sempre por aí falando com os seus pares, vendendo alguma roupa, ou fazendo as suas compras como todos nós. Às vezes paro um pouco para falar com ela, conta-me das suas dores nas costas, da ida ao médico, do tempo que faz. Outras vezes, lá tenho que comprar alguma camisola que, como ela diz «é só para me ajudar!» Lá sigo para casa com a camisola a quem terei que arranjar dono, porque as camisolas ”lindinhas” da D. Maria não são tão belas assim.
Mas se há figura que eu gostaria de retratar ou pintar é esta. Que genes esta mulher apresenta, marcação étnica bem visível, na cor da pele, no orgulho, nas longas vestes.
Fiz alguma pesquisa sobre a história dos ciganos.
A hipótese mais aceite é que o povo cigano teve berço na civilização da Índia antiga, talvez dois ou três milénios antes de Cristo. Depois de vaguearem pelas terras do Oriente, invadiram o Ocidente e espalharam-se por todo o mundo.
O idioma dos ciganos é o romanês e contém, na sua maioria, palavras derivadas do antigo sânscrito, que era falado no noroeste da Índia. Mas, por todos os países por onde passavam, assimilavam palavras de idiomas locais, por isso encontram-se palavras do turco, grego e arménio, no seu falar.
As primeiras notícias da sua presença em Portugal datam da segunda metade do sec.XV.
Gil Vicente dedicou-lhes uma peça de teatro «Farsa dos ciganos».
Houve várias ordens de expulsão do país mas, a partir do sec XIX, passaram a considerá-los cidadãos portugueses, embora soubessem que estes se auto-excluem de prestar qualquer serviço à comunidade e nem sequer se manifestam dispostos a aceitar as suas leis.
Voltando aos ciganos do bairro, questiono-me: quando se inicia a sério a “integração” desta comunidade? Por que razão continuam eles a não deixar as novas gerações avançar nos estudos e a manterem um nível muito alto de abandono escolar? O que os leva a não acatar as mínimas regras de higiene, no que respeita ao ambiente envolvente?
Quanto à D.Maria … continua a ser uma figura misteriosa, no meu imaginário. Recuo no tempo e vejo-a na velha Índia … certamente pertencendo a uma casta elevada, de tal forma os seus modos são suaves, a sua voz melodiosa, a sua elegância marcante, destacando-se do bando que diariamente a acompanha, quem sabe, envergando um esvoaçante sahari de cor luminosa, recortando a paisagem dourada e rubra do ocaso oriental.



sexta-feira, 16 de maio de 2008

As novas formas de correspondência

Há poucos anos era frequente ouvir dizer: “as pessoas já não escrevem longas cartas, o telefone resolve tudo”. E lamentavam-se os novos hábitos.
Nas férias ainda se enviavam postais com as vistas mais significativas dos lugares de veraneio e no regresso mostravam-se álbuns de fotografias ou até, grande maravilha da tecnologia, filmes. E guardava-se tudo, em gavetas, caixas, estantes …

Hoje parece ter-se voltado a comunicar por escrito: mensagens sms, mails, blogs. No caso dos blogs, a escrita não tem, a maior parte das vezes, destino certo, o que dá a impressão de ser uma forma de catarse, de desabafo.
Pior é quando os autores se sentem impunes e, escondendo-se no anonimato possível, insultam, difamam, espalham boatos… Mas são talvez inconvenientes menores face à grande facilidade de comunicação e informação que a Internet proporciona.
E depois podem nem ficar vestígios – a tecnologia falha, estraga-se o disco, não se fizeram cópias… É o cérebro/computador pessoal que guarda ou não o que tiver de ser lembrado se o nosso “disco” permanecer sem avarias – até que, no futuro se descubra como fazer cópias de segurança.

Ainda acumulo cartas, fotografias, filmes de 8 mm, VHS’s …Ainda faço cópias de segurança de mails e de fotografias que terão o mesmo destino inerte dos materiais em papel …


Capas de revista

Não gosto das notícias ditas pela Manuela Moura Guedes, mudo imediatamente de canal …não gosto mesmo da imagem dela no écran.
Mas a fotografia de capa da “Sábado” desta semana parece-me ofensiva e não gostei. O destaque podia ter sido feito de outra forma porque a mesma fotografia, no interior e no contexto da reportagem, perde o impacto e é aceitável.
Eu sei que se faz capa do que se pretende anunciar como mais importante no conteúdo de uma revista mas não vale tudo …
A liberdade de imprensa deve ser exercida com bom gosto, sensibilidade e responsabilidade.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

NÃO TIVE HOMEM DO SACO MAS…

Eu não tive o «homem do saco» mas, quando li esse texto logo me vieram à memória alguns dos castigos que nos foram aplicados, a mim e aos meus irmãos, que éramos traquinas qb, desobedientes sempre que podíamos, barulhentos porque o espaço era muito grande e convidava a correrias e gritarias constantes por um corredor de dezoito metros!
Hoje, fica aqui registado um que nos envolveu aos quatro e teríamos, na altura entre os seis e os dezasseis anos. Outros, contarei mais tarde.
O pai, para além do trabalho no Ministério da Educação, dava ao fim da tarde, no seu escritório de casa, muitas explicações de Latim e de Português. Severo, muito exigente como professor e como educador, quando chegava a casa, impunha, de imediato, uma mudança na nossa forma de estar – parava quase automaticamente a brincadeira.
Mas, certa vez, a mãe tinha saído com a avó, a empregada já terminara as tarefas e estávamos os quatro miúdos sozinhos em casa, na maior das confusões. Chega o pai, seguido do aluno, mal houve tempo para falar connosco e, esquecendo-nos do sossego de que precisava para dar a aula, continuámos como se nada se passasse…
Houve um primeiro «chiu», seguido de outro e outro até que explodiu o «castigo» - os meninos iam ficar, os quatro, fechados à chave, literalmente à chave, até que acabasse a lição… e o pai que dava sempre tempo extra!!
Ainda arriscámos um «Pai, e se precisarmos de ir à casa de banho?» A resposta soou certeira e inquestionável – «Fazem aqui!» e sentou cada um de nós nos cantos da grande sala de jantar! Ali ficámos, choramingando uns, refilando outros, impacientes com a situação que nunca acontecera… e o tempo passava e nada para fazer…numa casa de jantar, ainda a uma certa distância da refeição. Então, começou o riso, miudinho, primeiro, contagiante e incontrolável, pouco depois, o que nos levou a ter uma vontade insuportável de fazer «chi-chi». Que fazer? Como sair daquela?...
Aconteceu mesmo o que devem estar a pensar…cada um, à vez, fez a sua pocinha, no cantinho que lhe fora destinado, no meio de um misto de fúria e de delírio pela transgressão. E nesse momento, nem sequer sentimos medo, tínhamos a razão do nosso lado! Não se pode conter uma vontade tão forte!
Como haveria de acabar esta história?
A mãe e a avó chegaram a casa, salvaram-nos daquela «prisão», limpou-se tudo, espalhou-se um bom cheirinho e o pai, depois de ter dado, em paz e sossego a sua lição, acabou a rir connosco já que tínhamos conseguido desarmá-lo e tínhamos sido, nesse dia, todos, «muito obedientes»!
E nunca mais o pai aplicou tal castigo.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

MEMÓRIAS DE ZÉ MARIA

Entre os 3 e os 6 anos, vivi em Luanda e tinha um rapazinho negro de 13 ou 14 anos que tomava conta de mim – era o Zé Maria. Tinha sido trazido do mato pelo meu pai, entregue por um tio que o criava e queria ir para o Congo Belga. O Zé Maria, dizia o meu pai, veio contente porque ia ter uma farda branca para cumprir a sua segunda missão: a de servir à mesa.

Nesta missão, observava atentamente o que o meu pai comia e, se não comesse sopa, dizia logo: “se patrão não come, eu também não come”. Mas, quando o meu pai comia a sopa, ele também não comia … deitava-a na pia, depois de ter sido apanhado a despejar a tigela pelo muro da varanda.
Lembro-me do dia em que a minha mãe o encontrou no corredor, bebendo pelo gargalo da garrafa de vinho, no trajecto da cozinha à varanda (onde sempre fazíamos as refeições).
Mas as melhores memórias do Zé Maria eram do quintal e da rua onde andava num triciclo monstruoso para o meu tamanho, mandado fazer pelo meu pai, com 3 rodas de bicicleta. E daquele dia em que fomos apanhados pelo “carro do desinfectante” e ficámos perdidos, cheios de medo, no meio de um espesso manto leitoso e com cheiro de insecticida (na época havia desinfecções periódicas na cidade, sem aviso prévio). Mas eu dizia que não tinha tido medo porque o Zé Maria era grande e eu conseguia vê-lo – seria por ser negro? Durante muitos anos tive pesadelos de estar perdida num manto branco de leite mas não tinha o Zé Maria para me aliviar o medo.

Mas houve um dia em que odiei o Zé Maria …
Tínhamos um papagaio que falava muito e era muito porco – mas eu gostava dele porque gritava quando via o meu pai na esquina e eu e o Zé Maria corríamos do quintal para eu lavar mãos e cara, tirar o bibe e parecer menina bem comportada. O Zé Maria era responsável pela limpeza da gaiola: levava a gaiola aberta com o bicho até ao quintal e mergulhava gaiola e pássaro num grande tanque, as vezes necessárias até estar tudo limpo … O papagaio não gostava e bicava-o constantemente para além de lhe retribuir a alcunha de “porco”, que o Zé Maria lhe tinha dado. Um dia, quando regressávamos de uma viagem a Sto António do Zaire (onde íamos de vez em quando visitar uns tios), o papagaio tinha fugido e o Zé Maria desfazia-se em lágrimas de desgosto…
O meu pai ralhou muito, eu chorei com saudades do bicho mas acabara-se o calvário das bicadas. E não houve anúncio de jornal que o papagaio lesse …

O Zé Maria falava um português que se entendia bem e que foi aperfeiçoando depois de viver connosco mas o meu pai, queria que ele soubesse escrever bem. Missão que eu achava difícil (estava na 1ª classe) e recordo como me orgulhava do Zé Maria quando apresentava uma redacção cheia de erros e, depois da zanga do meu pai, ele respondia: «patrão, leia, leia a ver se tem diferença”!

Também recordo o silêncio do Zé Maria quando, da janela do corredor que dava para a parada do quartel, víamos entrar pelo portão filas de negros acorrentados, mantidos “em ordem” por soldados brancos. Soube mais tarde que eram “recrutas voluntários”!...


terça-feira, 13 de maio de 2008

As chaves da cidade

Atribuir a alguém “as chaves da cidade” mesmo que já não seja sobre almofada vermelha (ainda será?) é um gesto de respeito, confiança – a maior homenagem que o responsável de uma cidade pode prestar a um cidadão.

Não gostei de saber que o Presidente da Câmara de Lisboa homenageou o Dr. Durão Barroso entregando-lhe as chaves da cidade.
Porque o fez?
Terá sido porque Durão Barroso acreditou nas mentiras do presidente Bush que conduziram à guerra no Iraque? Ou será por se ter comportado bem como mordomo no encontro das Lages? Ou talvez porque, tendo visto a situação interna frágil para o seu lado, “saltou” rápido para a Comissão Europeia ?

Acho que não. Na verdade, deve ter-lhe sido reconhecido o mérito de ter libertado a cidade do seu Presidente da Câmara e não teve culpa que tudo depois corresse mal. A intenção foi boa. Se calhar merece mesmo a homenagem!

DIA DO ENFERMEIRO

Nunca fui muito a favor das celebrações dos dias disto e daquilo mas reconheço que têm, em mim uma virtude, a de me evocarem pessoas que, de uma forma ou outra, me marcaram.
Por isso, hoje trago, aqui, num flash, o meu obrigada a três enfermeiros especiais:
- O Sr. Moreira, um homem muito competente, interessante e imponente que deu injecções a toda a família durante anos, quase até falecer. Era uma figura muito delicada que, invariavelmente, nos pedia licença antes de nos destapar para a picadela. E com que carinho me dizia, nas minhas constantes anginas: «Então, menina G…., outra vez doentinha, sem ir à escola?». E lá me contava uma historieta para me entreter e me suavizar as dores…
- O Sr. Fragata, enfermeiro negro de Sá da Bandeira, impecável numa farda imaculadamente branca, com uma maleta arredondada que abria com muita mestria e donde saíam as seringas, os algodões, uma lamparina para a esterilização dos instrumentos e que nos ajudou com uma dedicação enorme a tratar da difteria grave que afectou a minha irmã mais nova. Recordo a preocupação que nos primeiros dias lhe vi no olhar profundo e na expressão grave com que encarava a doença e, depois o sorriso que, aos poucos, se foi desenhando no rosto luzidio, à medida que as injecções, dadas de dia e de noite, foram debelando a febre e a doença vencida.
- A Isabel C., enfermeira obstreta, de Guimarães, que, depois de ter conhecido a minha mãe numa viagem de barco, se tornou amiga da casa e foi, durante anos, confidente e cúmplice dos nossos amores, dos nossos (in)sucessos escolares, das nossas saídas e escapadelas, fora de horas... Tratava a nossa mãe pela «mãezinha de Lisboa» e muito nos ajudou a tratar dos familiares mais velhos.
Os três têm um lugar especial no meu reconhecimento porque neles encontrei traços comuns – a mesma dedicação pelos doentes, o mesmo profissionalismo, a mesma generosidade.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Visita relâmpago à Madeira

Desta vez quando cheguei ao Funchal, fui surpreendida pelo recorte iluminado da paisagem.
Cheguei num voo nocturno e entrei na cidade quando as ruas estavam esvaziadas de trânsito e um silêncio quebrado aqui e ali pelo crilar dos grilos.
Mil luzinhas brilhavam, cintilavam, tudo num cenário natalício (ideia que sempre tive do Funchal - de uma armação de presépio à Machado de Castro). Faltava, evidentemente, o castelinho, mas podia imaginar os rebanhos de “ovelhinhas”, os “reis magos” e os “camelos” que não encontrei… mas que talvez tivessem ido jantar a um óptimo restaurante que me indicaram como “muito reservado” e carote.
Também não encontrei o rei “Herodes”, mas devia andar a passear pelos belos “jardins”.
Falemos a sério, ... não vá alguém julgar que estou a ser jocosa.
O facto real é que a visão panorâmica nocturna era fascinante. Fiquei ali, noite dentro, encantada com o cenário. Houve ali uma magia qualquer; aquela cauda de véu de vestido de noiva bordado de estrelas que cintilavam, o perfil azul acinzentado das serras, a lua em quarto crescente, enorme.
Tentei captar este momento com a minha câmara digital, mas desilusão! As imagens digitalizadas mostram apenas pequenos pirilampos num fundo escuro e sem contornos.
Não fui à Madeira para permanecer na cidade. O Funchal, de dia, é uma cidade cheia de vida, mas uma vida tão cansativa como a de todas as grandes cidades. Tem um desenvolvimento turístico impressionável, virado para uma restauração impecável, artesanato e algum lazer.
Tem também, a sério …uns belos jardins! A variedade de flores, árvores, palmeiras, cactos dá-lhe um encanto especial, mas para poder apreciar devidamente o observador tem que parar no meio de todo aquele trânsito e ficar atento às cores, aos cheiros predominantes. Eu distingo a cor vermelha e o lilás e o cheiro de uma flor que me pareceu ser jasmim.
As ruas do centro do Funchal, nesta época, têm os jacarandás em flor e as margens das ruas estão assim, como mostra a foto. Bonito não é?!
Mas o que me atrai verdadeiramente nesta ilha são as terras recortadas de verdes, os carrosséis de caminhos, ora sobe ora desce, os rochedos misteriosos, as grutas, as ravinas.
Desta vez visitei novamente um lugar muito interessante – Porto da Cruz.
Lugar mágico que se desenvolveu a partir do mar, com a sua Penha d´Águia, as ruínas do castelo da moura as chaminés das fabricas de cana.
Terra vulcânica, ainda com cheiro a profundeza de Oceano. Calhaus escultóricos de cor preta, brique e ocre. Mar picado, de cor escura, areias cinza.
Soberba paisagem natural muito bem conservada. No horizonte, entre neblinas, imaginem - o Porto Santo!
Dá para criar histórias fabulosas de marinheiros, piratas, mouros e mouras encantadas.
Valeu esta minha escapadela, muito rápida à Ilha e à minha amiga ILMA que é uma madeirense de alma e coração.



domingo, 11 de maio de 2008

A droga do Poder

É um lugar comum dizer que “o poder corrompe” … não só materialmente, corrompe sobretudo a alma, cria habituação como uma droga, estimula a imaginação e o engenho para ser mantido e aumentado.
Ocorrem-me muitos exemplos e esforço-me por não lembrar os que estão mais perto porque esta reflexão vem a propósito da sucessão de Putin: o seu “delfim”sucede-lhe na Presidência da República porque ele não pode voltar a candidatar-se. O Sr. Dimitri Medvedev, novo Presidente, propõe Putin para 1º ministro e o poder mantém-se – acrescido, porque, aos poderes do Presidente que manipula, junta os de 1º ministro que nem sempre teve na mão. A Rússia é uma democracia, o Sr Medvedev foi eleito com cerca de 70% dos votos, o povo parece estar bem esclarecido!
O Sr Putin é um homem respeitável que não foi beliscado por nenhuma das atrocidades que lhe são atribuídas. Vejam-se as denúncias dos seus opositores, alguns mortos como a jornalista Anna Politkovskaya, que denunciava publicamente as responsabilidades de Putin em esquemas de corrupção financeira e política, na intervenção desastrosa na escola de Beslen, onde morreram tantas crianças, no Teatro de Moscovo, na desinformação das acções na Chechénia e na Ingúchia,.. Gasparov, que foi mestre de xadrez e é hoje um combatente da oposição a Putin ainda está vivo …
E já agora, a propósito, lembro o regresso de Berlusconi, eleito também por uma maioria de um povo esclarecido e o desejo de regresso de Santana Lopes…
O poder é mesmo uma droga poderosa!

sábado, 10 de maio de 2008

O HOMEM DO SACO

Os adultos têm, por vezes, o péssimo hábito de criar medos nas crianças inventando “fantasmas” que entram em acção sempre que a criança sai da norma.
Eu tive o “homem do saco”: quando não comia, quando fugia de casa, quando não queria dormir cedo, quando ia brincar com o meu macaco e com a cadela da vizinha por quem ele estava apaixonado e nunca mais voltava para casa … lá vinha o “homem do saco”. Verdadeiro, tamanho natural, saco de serapilheira ambulante com a função de ser “despido “ do próprio para me enfiar nele e me levar para parte incerta. Lembro-me dele à porta da casa de jantar quando eu não queria comer, a “encontrar-me” sempre que me escondia na goiabeira de uma casa próxima onde gostava de me empoleirar e comer goiabas verdes, a correr atrás de mim pela rua, a assomar ao muro da vizinha quando me rebolava por lá com a cadela e o macaco.
Um dia, vi aquele pesadelo despir o saco: era o meu cozinheiro que fazia os melhores sonhos de bacalhau que já comi e de quem gostava muito – fazia-me carrinhos com madeira e rodas de sementes, deixava-me provar o peixe frito com óleo de dendém e funge de milho , colava com o funge as solas dos meus sapatos …
A descoberta foi um alívio e uma desilusão.
E também foi muito triste, pouco tempo depois, assistir ao desgosto do meu macaco quando a cadelinha morreu atropelada e ele enlouqueceu – mordeu na minha mãe e nunca mais o vi. Durante muitos anos, nunca mais tive quem me fizesse festinhas na cabeça e me mordesse o cabelo.
Não deixei de fugir rua acima nem de trepar à goiabeira … Mas, pouco tempo depois, mudámos de casa e o meu pai trouxe o Zé Maria para tomar conta de mim.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

A TAPADA DE MAFRA

Entre os 7 e os 10/11 anos, ia muitas vezes à Tapada de Mafra. O passeio começava no portão ao lado do Jardim do Cerco, onde aguardavam as charretes puxadas por dois cavalos. Fazia-se um longo (seria?) percurso pela “tapada de fora” até à “tapada de dentro” onde começava o encontro com a bicharada. Na verdade só me lembro de veados, gamos e javalis – espécies que ainda hoje são dominantes. Numa determinada zona havia uma casa habitada, com uma grande horta, sempre com muitas verduras de tons diferentes que me deslumbravam e me faziam sonhar. Virá daí o meu jeito de, em qualquer viagem, estar sempre à procura de ver campos cultivados com couves? E aquele desejo louco de roubar uma couve que me deu uma vez? Esqueci-me que, embora rasteira, a raiz é aprumada e bem presa à terra … rolei pela pequena encosta e parei junto à roda do carro com meia dúzia de folhas na mão.

Logo que entrávamos na “tapada de dentro”, os gamos começavam a aproximar-se e seguiam de muito perto a charrete, deixando mesmo fazer festinhas na cabeça. O nosso destino era o “ Salabredo”: uma zona fresca, com árvores altas de folha caduca e um ribeiro que, às vezes tinha muita, outras, pouca água. Instalávamo-nos para o piquenique e para a brincadeira. Os mais velhos estendiam mantas no chão para jogar às cartas e para a soneca.

Voltei 50 anos depois e não fiquei desiludida. Não é a mesma coisa, claro.
A entrada é directa na antiga “Tapada de dentro”, a visita é em grupo e num pequeno comboio mas os gamos estão lá, passeando quase entre os visitantes. O “Salabredo” continua a ser um parque de merendas mas no Verão o ribeiro estava seco. Há um museu de charretes e coches e um outro de animais embalsamados – animais existentes na tapada mas que dificilmente são vistos (répteis e sobretudo aves de rapina).
Vimos veados e gamos, muitos javalis e, sobretudo, mergulhámos em muitos verdes e em ar puro.

A beleza do passeio depende da época do ano. Na Primavera deve ser muito bonito. Talvez se ouçam os chamamentos nupciais dos anfíbios e se comecem a ver répteis que deixam a hibernação; os gamos e veados “velhos” devem estar a perder as hastes que nascem logo de seguida – aos mais novos vão crescer pela primeira vez; as crias dos javalis, gamos e veados estão por lá a nascer.

A Real Tapada de Mafra era parte integrante do Palácio - Convento mandado construir por D.João V (1706-1750) para local de lazer e caça da corte. Foi sobretudo usada por D. Luís e D. Carlos (que ali tinha o seu “pavilhão de caça” onde, diz-se, pintava, namorava e aguardava que as presas se aproximassem para as caçar). Tem uma área aproximada de 1190 ha e uma parte (360 ha) está hoje reservada a exercícios militares e pertence à Escola Prática de Infantaria.



quinta-feira, 8 de maio de 2008

TRALHA ACUMULADA

Apesar de sempre criticarmos os nossos avós e pais pela quantidade de «tralha» que foram juntando ao longo dos anos, em caixas e caixinhas, em arcas ou sótãos, gavetas e gavetões, continuamos a mesma linha genética do «guarda tudo, que um dia vai fazer falta».
Assim, ao fim de anos acumulámos todo o tipo de tralha e vamos ficando com um espaço reduzido para gerir o nosso dia a dia.
É divertido ao mesmo tempo, porque, ao abrir uma gaveta, encontro os telemóveis que já usei e que se foram estragando, os pares de óculos que se foram desactualizando, agendas de anos e anos passados que têm endereços que já não me fazem falta, canetas que já não escrevem, enfim… um rol de bugigangas guardadas e a ocupar espaço, perfeitamente inerte e à espera de quê?
Mas este é um pequeno sector. Há, depois, as gavetas de lençóis bordados de um enxoval dos anos 60 que ninguém vai usar, os serviços de loiça que têm pratos e pratinhos, copos e copinhos que já pouco usamos. E os frascos, os bibelôs, as revistas desbotadas, e as pastas de elásticos com etiquetas: recortes, postais, catálogos de exposições, correspondência, recibos, fotografias, etc… E os dossiers recheados de papeis, acumulação de várias reformas no ensino, cheios de reflexões pedagógicas e didácticas. Depois as tralhas da roupa e sapatos, que embora não me considere caso grave, sempre acumularam por causa daquela mentalidade herdada de que as modas voltam sempre, mais tarde.
As modas voltam realmente, mas nunca igualíssimas, felizmente os designers dão-lhe uma volta.
Teria muito mais para relembrar se pegasse no tema livro, disco, cassete etc, etc…
Pergunto-me, porque somos tão apegados a estas tralhas? Materialismo, não me parece, apegos com memória talvez.
Então confronto-me com as minhas contradições, tenho apregoado a necessidade de libertação do passado, não porque ele me magoasse, mas porque passado é o que já foi, interessa o “hoje” e o “agora” e no entanto aí está todo o meu espólio material de anos e anos, acumulado…
Fala-se em “desapego”, que é bom para o corpo e a alma. Mas onde está a coragem de desabitar todos estes objectos?
Tenho esperança na nova geração. Reparo como para eles é fácil “descartar” tudo. Talvez consigam guardar as suas memórias em minis CDS assim como livros e dossiers. Tudo estará informatizado ocupando o mínimo espaço nas suas casas.
Talvez os filhos, quando eles partirem não encontrem na gaveta de um velho sofá as botas de soldado do seu velho pai como eu pude constatar quando da partida do pai de uma amiga.



quarta-feira, 7 de maio de 2008

VIAJAR ERA DIFERENTE!










Sempre que alguém amigo ou familiar vai à Ilha da Madeira, eu fico com uma imensa vontade de lá voltar e quase sempre recordo as minhas primeiras visitas ao Funchal, a bordo de um grande navio, o Hildebrand, de uma das vezes, e num hidroavião, da outra vez.
Viagens bem diferentes das que se fazem hoje, de avião e em cerca de hora e meia.

A primeira, no grande navio, apesar dos enjoos, tenho-a bem presente não só por ter sido a primeira mas também pelas actividades de que desfrutei durante as 27 horas de viagem. Havia tanta coisa para fazer a bordo e eu era uma miúda muito curiosa. Meti o nariz em tudo o que era jogo, passatempo, cinema, loja, pequeno museu de vida marinha, subi e desci tantas vezes as escadas e dei tantas voltas naquele deck!
Mas aquilo por que mais ansiava, de tal maneira o meu pai, madeirense de Câmara de Lobos, não se cansara de nos descrever como a maravilha das maravilhas, só havia de descobrir, quando, pelas 5 da manhã, ele me fez saltar da cama e me levou, totalmente ensonada, para uma vigia, primeiro e, depois, para o deck. Avistava-se já a ilha, tal qual uma gigante «lapinha» ou presépio, montes e vales, ribeiras e levadas e milhares de luzinhas, iluminando todas as casas que, aos meus olhos, e com a distância me pareciam ser de bonecas. Espectáculo único, na verdade!

Da segunda vez, quando fui de hidroavião, aquilo que me marcou fortemente foi o facto de se «amarar» e não aterrar em solo firme. A vastidão do mar metia respeito e, depois, era esperar pela nossa vez de partir numa das grandes lanchas que faziam o transbordo para o porto. Essa parte final da viagem foi a mais emocionante. Íamo-nos aproximando da terra ao mesmo tempo que íamos vislumbrando, de forma cada vez mais nítida, os rostos familiares que nos aguardavam no cais. Acenos, risos, emoções que eram interrompidos, apenas, pelos chamamentos e assobios dos miúdos da ilha, descalços e de calção que suplicavam uma moedinha que atirávamos (elas já iam mesmo de parte nos bolsinhos) para depois os vermos em mergulho picado alcançar a moeda e vir à tona da água agradecer.

Memórias que gosto de reviver e de partilhar, deixando mais uma nota, curiosa: o Hildebrand, naufragou pouco depois, na zona de Oitavos, em Cascais, o comandante teve receio de entrar em Leixões, devido ao nevoeiro e ali foi parar; as viagens de hidroavião deram lugar, pouco depois também, às primeiras viagens de avião para a ilha. Saudades da Madeira!

terça-feira, 6 de maio de 2008

APARÊNCIAS

Quantas vezes fazemos juízos apressados de pessoas que encontramos por acaso ou com quem convivemos por breves momentos?
Lembro-me de uma pessoa, mais “conhecida” do que amiga que não vejo há muito tempo: minhota, cultora das origens, vestia como uma camponesa na cidade, usava cabelo em carrapito atrás da cabeça, arrecadas de ouro, cara lavada. Quem a visse facilmente a destratava ao menor contratempo – e ela contava vários e engraçados incidentes que deixavam os interlocutores avermelhados. Era, é, professora universitária.

Vem isto a propósito de uma crónica matinal que ouvi há dias, na Antena 1.
Algures, no Alentejo, um jornalista entrevista um casal de agricultores e cantores num grupo local. Ela com uma linda voz, ele construtor e tocador de violas. Um falar simples e ingénuo. E o entrevistador brincava com as notas musicais e com as habilidades de construção dos instrumentos como se falasse para crianças ou adultos quase analfabetos. Até que o Sr. Serafim esclareceu: tinha aprendido música no Conservatório de Lisboa e aprendera em Itália a fazer violas de “casquinha” … Não vi, mas o jornalista deve ter avermelhado.

É também o caso de um empregado de café do meu bairro que cumprimenta uma minha amiga em italiano porque ela está num Curso de italiano e ele viveu algum tempo em Itália. E, do que mais gosta em Itália? De Pompeia …
Também me tenho deixado surpreender recentemente com as conversas de rua com a carteira que faz a distribuição no meu bairro e que travou conversa comigo a propósito do meu gato porque andava de trela no passeio.

Claro que não acordei agora para esta facilidade de julgar pelas aparências. Tenho-me confrontado com muitas situações em que “dou a mão à palmatória” depois de uma primeira impressão - nos dois sentidos. Mas é importante não esquecer.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

HIPOCRISIAS

O navio chinês que transporta armas para o Zimbabué continua fundeado ao largo do porto de Luanda. Descarregam-se contentores selados que, garantem as autoridades angolanas, são importações para obras públicas … Mesmo que seja verdade o comportamento ambíguo do governo de Angola relativamente ao Sr. Mugabe, o peso do investimento chinês em Angola e a imagem de corrupção que se tem colado ao governo do Sr. Eduardo dos Santos, permite-nos duvidar. Como lamento!

E que vergonha senti também com as declarações de Jerónimo de Sousa no seu apoio incondicional à governação angolana – aquando da sua visita recente a Angola! A mesma vergonha que senti com a postura de Cavaco Silva face ao líder regional da Madeira durante a sua incompreensivelmente longa visita ao arquipélago. São tibiezas que, mais tarde ou mais cedo, se deveriam pagar . O Presidente da Republica já viu a sua popularidade baixar 7% … Mas não chega. Uns e outros, os que se comprometem por subserviência e medo, por interesses económicos que falam mais alto do que o relacionamento humano e a justiça social, hão-de sentir na pele a vergonha e na “espinha” as mazelas.

Sintomas que aliás também devem tocar os responsáveis do governo português quando se escusaram a receber o Dalai Lama, quando não se posicionaram com clareza face à violência e falta de respeito pela cultura e identidade tibetana. Se já é duvidosa a legitimidade da China em relação ao território do Tibete (possível talvez de ser reivindicado pela Mongólia), a tentativa de apagar uma cultura milenar por processos violentos, a falta de respeito pelas crenças de um povo, a recusa à autonomia real que fora prometida em 1951, deviam merecer repulsa e condenação firme pela comunidade internacional. Mas o mercado chinês é tão apetecível … “um país, dois sistemas” é tão original e sedutor …e lidar com a China não é o mesmo que intervir no Iraque.

E fico a pensar o que seria do mundo se, em 1423, o imperador Ming não tivesse decidido mandar recolher a armada dispersa, fechar-se ao mundo exterior para só acordar séculos depois.

Nota: a propósito do grande período expansionista da China, é muito interessante o livro de Gavin Menzis: “ 1421 – o ano em que a China descobriu o Mundo” (Dom Quixote). Sobre o novo período expansionista, o actual, é bom estar atento porque “eles”, e são aos milhares em África, na América e na Europa, estão por aí. O dinheiro investido pela China em infraestruturas, em África, por exemplo, é considerável – sem perguntas, sem grandes compromissos. Defendo a multiculturalidade mas rejeito o colonialismo.

"Maternidade" de Almada Negreiros


domingo, 4 de maio de 2008

A TODAS AS MÃES

Hoje, de acordo com o calendário é dia da Mãe, o dia de todas as mães, em todo o mundo.
Hoje, muitas mulheres viverão um dia alegre, cheio de risos e flores, rodeadas de ternura, embaladas por sonhos e memórias, mas também haverá muitas que viverão mais um dia de abandono e de dor, submersas em perdas, ausências e pesadelos.

A Mãe é decerto a presença mais forte na nossa vida, ao longo dos anos, como âncora, modelo, fonte de inspiração, confidente, cúmplice e figura no nosso imaginário com uma paleta infindável de tons e meios-tons que se multiplicam indefinidamente.
Agradeço à vida a sorte de ter tido uma Mãe extraordinária, como pessoa e como educadora. E como foi ela a responsável pelo meu grande gosto pelos poetas e pela poesia, aqui fica, para relembrar ou descobrir o belo texto de Almada Negreiros, que dedico a todas as Mães, neste dia:

«Mãe!
Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei! Traz tinta encarnada para escrever estas coisas! Tinta cor de sangue, sangue verdadeiro, encarnado! Mãe! Passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens! Eu vou viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar.

Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me a teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.

Mãe! Ata as tuas mãos às minhas e dá um nó cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa. Eu também quero ter um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.

Mãe! Passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!»

sábado, 3 de maio de 2008

Mensagem de Bertold Brecht


É a segunda fita de finalista em que deixo a mesma mensagem – escrita no século passado, tão actual e tão esquecida. Tem sido um lema para mim e ocorre-me deixá-la aos mais novos :

“Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro.

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário.

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável.

Depois agarraram os desempregados
Mas como tenho um emprego
Também não me importei

Agora estão-me levando
Mas já é tarde.
Como não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo “

(Bertold Brecht – 1890-1956 )