Recordei há dias as viagens que fazia em criança, entre Luanda e Sto António do Zaire (Soyo). Embora não seja o caso de dizer “parece que foi ontem”, voltei lá atrás aquando da limpeza de fotografias que iniciei depois da LIS escrever sobre a “tralha”.
Da primeira delas, com 2 anos (afinal tinha 2 anos quando cheguei a Luanda, em 1947), no primeiro carro do meu pai (1ª foto), não me lembro nada … Mas das muitas outras que se seguiram, sim. Saíamos antes do Sol nascer e eu e a minha mãe, adorávamos vê-lo nascer entre as árvores esparsas da zona de savana, entre Luanda e o Norte. Era uma viagem monótona, estradas alcatroadas ou de terra batida, um carro ou outro de longe em longe, uma ou outra pessoa a pé, sinais de manadas que atravessavam a estrada e os embondeiros que me fascinavam. Para me entreter, a minha mãe dizia que tinha de contar os “altinhos” (havia imensas lombas na estrada), depois de já não ser novidade contar as “pontes” – havia muitas, sobre pequenos riachos ou entre zonas descontinuadas do terreno. Essas pontes eram feitas de tábuas sobrepostas que se estendiam entre os dois pontos de apoio, quase sempre soltas e em péssimo estado. Não se atravessava nenhuma sem primeiro ir ajeitar as tábuas. Depois, acelerava-se para passar rápido e olhava-se para trás comentando: “ ainda lá ficou!”.
E havia as travessias dos rios nas jangadas, movidas a remos ou através de cabos ligados à outra margem – a travessia era quase sempre em diagonal por causa das correntes. Ninguém pensava nos crocodilos que espreitavam no rio, nem se admitia a hipótese de não chegar à outra margem. (2ªfoto)
A chegada a Sto António do Zaire era sempre uma festa. Os meus tios não tinham filhos, eu era a única sobrinha e os meus pais as únicas visitas que recebiam de Luanda. Lembro-me de me encher de mamão e papaia ao pequeno almoço, de poder estar com os adultos à noite na varanda, das visitas que fazíamos a Matadi (no Congo Belga) onde o comércio era muito melhor que o do Zaire e a travessia se fazia num “vapor” (3ª foto).
De regresso pernoitávamos no Ambrizete, numa estalagem onde as mulheres ficavam num dormitório e os homens noutro. Numa das viagens, acordámos de noite ouvindo choros à volta do edifício. Ficámos assustadas e só de manhã soubemos que eram “vozes” de hienas que se aproximavam com frequência.
Uma vez, tivemos de fazer um desvio porque uma das pontes tinha desaparecido. Receando que a gasolina faltasse, fomos rolando por uma picada larga de terra vermelha ansiando encontrar alguém (adorava levar a cabeça de fora e ficar com metade da cara de outra cor …). A certa altura, vimos um caminhante a quem o meu pai perguntou se queria boleia e se havia por perto alguma povoação. Recusou o transporte e disse que “havia branco sim, já ali”. Ouvi esta frase durante anos, sempre que se perguntava a distância a qualquer lugar porque, “já ali”, foram cerca de 150 km… Encontrámos então uma propriedade para onde se entrava por uma arcada de vinhas tendo ao fundo uma “ casa portuguesa” – tal qual as dos livros, com azulejo de santo e tudo. Lembro-me bem dessa casa e de como fomos recebidos: com alegria, comida, banho e muita conversa entre adultos – eu fui brincar com as crianças e os animais da casa. E havia bidões de gasolina para vender!
A hospitalidade, a solidariedade, a confiança espontânea, parecem ser naturais no ser humano quando está isolado e anseia por comunicar. Que pena virar tantas vezes fera na defesa do território, quando, em sociedade, só deseja competir, vencer, ultrapassar. Gosto de viver entre seres que são excepção. E tenho muita sorte …
Da primeira delas, com 2 anos (afinal tinha 2 anos quando cheguei a Luanda, em 1947), no primeiro carro do meu pai (1ª foto), não me lembro nada … Mas das muitas outras que se seguiram, sim. Saíamos antes do Sol nascer e eu e a minha mãe, adorávamos vê-lo nascer entre as árvores esparsas da zona de savana, entre Luanda e o Norte. Era uma viagem monótona, estradas alcatroadas ou de terra batida, um carro ou outro de longe em longe, uma ou outra pessoa a pé, sinais de manadas que atravessavam a estrada e os embondeiros que me fascinavam. Para me entreter, a minha mãe dizia que tinha de contar os “altinhos” (havia imensas lombas na estrada), depois de já não ser novidade contar as “pontes” – havia muitas, sobre pequenos riachos ou entre zonas descontinuadas do terreno. Essas pontes eram feitas de tábuas sobrepostas que se estendiam entre os dois pontos de apoio, quase sempre soltas e em péssimo estado. Não se atravessava nenhuma sem primeiro ir ajeitar as tábuas. Depois, acelerava-se para passar rápido e olhava-se para trás comentando: “ ainda lá ficou!”.
E havia as travessias dos rios nas jangadas, movidas a remos ou através de cabos ligados à outra margem – a travessia era quase sempre em diagonal por causa das correntes. Ninguém pensava nos crocodilos que espreitavam no rio, nem se admitia a hipótese de não chegar à outra margem. (2ªfoto)
A chegada a Sto António do Zaire era sempre uma festa. Os meus tios não tinham filhos, eu era a única sobrinha e os meus pais as únicas visitas que recebiam de Luanda. Lembro-me de me encher de mamão e papaia ao pequeno almoço, de poder estar com os adultos à noite na varanda, das visitas que fazíamos a Matadi (no Congo Belga) onde o comércio era muito melhor que o do Zaire e a travessia se fazia num “vapor” (3ª foto).
De regresso pernoitávamos no Ambrizete, numa estalagem onde as mulheres ficavam num dormitório e os homens noutro. Numa das viagens, acordámos de noite ouvindo choros à volta do edifício. Ficámos assustadas e só de manhã soubemos que eram “vozes” de hienas que se aproximavam com frequência.
Uma vez, tivemos de fazer um desvio porque uma das pontes tinha desaparecido. Receando que a gasolina faltasse, fomos rolando por uma picada larga de terra vermelha ansiando encontrar alguém (adorava levar a cabeça de fora e ficar com metade da cara de outra cor …). A certa altura, vimos um caminhante a quem o meu pai perguntou se queria boleia e se havia por perto alguma povoação. Recusou o transporte e disse que “havia branco sim, já ali”. Ouvi esta frase durante anos, sempre que se perguntava a distância a qualquer lugar porque, “já ali”, foram cerca de 150 km… Encontrámos então uma propriedade para onde se entrava por uma arcada de vinhas tendo ao fundo uma “ casa portuguesa” – tal qual as dos livros, com azulejo de santo e tudo. Lembro-me bem dessa casa e de como fomos recebidos: com alegria, comida, banho e muita conversa entre adultos – eu fui brincar com as crianças e os animais da casa. E havia bidões de gasolina para vender!
A hospitalidade, a solidariedade, a confiança espontânea, parecem ser naturais no ser humano quando está isolado e anseia por comunicar. Que pena virar tantas vezes fera na defesa do território, quando, em sociedade, só deseja competir, vencer, ultrapassar. Gosto de viver entre seres que são excepção. E tenho muita sorte …
2 comentários:
obrigada pela visita e comentário deixado no meu blog
Gostei, mesmo mto. Estas recordações dão-nos vida! Ajudam e transmitem, aos outros,momentos bonitos que vivemos.Aprende-se.Um Abraço amigo.isa
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