Notícia recente anuncia a abertura em Washington de uma exposição “Afeganistão – Tesouros escondidos do Museu Nacional de Cabul”. As 228 peças agora expostas fazem parte de um espólio que só sobreviveu porque, no início dos anos 80, o director e alguns curadores do Museu de Cabul decidiram esconder as peças mais valiosas num cofre selado, por baixo do Palácio Presidencial. Foi assim que escaparam às tropas soviéticas, à guerra civil e aos talibãs. Dados como desaparecidos, foram salvos e encontrados em 2003. E não foi pequeno o achado: peças desde o paleolítico ao período budista, inventariadas durante 3 meses, permitem viajar por mais de 2000 anos ( 2200 a.C. a 200 d.C) e compreender uma riqueza cultural que reflecte a troca de saberes entre Oriente e Ocidente, ao longo da Rota da Seda.
Pena que o Estado afegão receba por esta exposição dez vezes menos que recebeu o Egipto pela exposição, no mesmo local, dos objectos do túmulo de Tuthakamon e nada pelas receitas geradas com a exposição … o Egipto recebeu 50% .
Outro caso extraordinário acontece em Nukus, no Usbequistão, uma cidade –fantasma, perdida entre as estepes e a desertificação provocada pelo abaixamento do nível de Mar Aral ( 16m), a salinização dos solos e a contaminação química resultante dos ensaios de armas químicas realizados pelo Exército Vermelho. Aí existe “ a mais bela colecção de arte de vanguarda russa, depois do museu do Ermitage de São Petesburgo” . Como?
A colecção foi conseguida por Igor Savitsky, um pintor, nascido em Moscovo que se deslocou para a região de Nukus por volta de 1950. Foi assistindo ao desprestígio das culturas tradicionais e foi recolhendo ou comprando tudo o que encontrou disponível (tecidos, selas, brincos de nariz, …). Depressa chegou às telas de pintores proibidos, todos os que não respeitavam o “realismo socialista” . Esta recolha estendeu-se à Ásia Central e aos poucos a toda a URSS, sem critério de escolha: tudo o que estava escondido pelos próprios, pelas viúvas, por conhecidos foi empilhado em contentores e levado para Nukus. Até 1984, quando morreu, ocupou-se da selecção das obras e organização do Museu. Deixou-o de “herança” a Marinika Babanazarova, então com 30 anos, a actual guardiã. Savitsky só confiava em mulheres porque “não bebem vodca e mantêm os compromissos”.
O Museu de Belas-Artes de Nukus é hoje uma referência onde há obras que representam todos os movimentos artísticos do início do séc.XX, de pintores que não puderam ou não quiseram fugir da URSS. Museus como o Ermitage e galerias de Moscovo cobiçam várias obras. O Guggenheim de N.York gostaria de ter alguns dos 285 quadros de Kudriachov e só tem 6 !
O edifício actual do Museu foi inaugurado em 2002 e parecia ser um triunfo. A verdade é que é hoje uma estrutura degradada pelo clima, sobrevive sem qualquer apoio, numa cidade de 200 mil habitantes com 80% de desempregados. Marika defende as “suas” obras, não vende, manda fazer cópias para os turistas – os poucos que lã vão. As molduras são feitas de madeira reciclada de caixotes, os quadros pendurados com fio plastificado vendido para atar feno. Porque é que esta mulher, que foi profª catedrática de Filologia Inglesa, não desiste? “ Prometi-o a Igor Savitsky e romper essa promessa seria, para mim, pior do que a morte”. O marido morreu, os filhos foram para longe e vive com medo de que todas as obras sejam dispersas depois da sua morte. Criou um atelier de pintura no museu mas ainda não sentiu nenhuma “vocação”. Quando desespera, diz como Savitsky que é um “corvo branco “, “ seres especiais que acreditam que só a beleza pode salvar o mundo”.
As obras os Museu de Belas-Artes de Nukus também mereciam uma exposição que desse a conhecer ao resto do Mundo os pintores e a coragem de quem lhes preservou a memória. Heróis desconhecidos e quase esquecidos.
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