Entre os 3 e os 6 anos, vivi em Luanda e tinha um rapazinho negro de 13 ou 14 anos que tomava conta de mim – era o Zé Maria. Tinha sido trazido do mato pelo meu pai, entregue por um tio que o criava e queria ir para o Congo Belga. O Zé Maria, dizia o meu pai, veio contente porque ia ter uma farda branca para cumprir a sua segunda missão: a de servir à mesa.
Nesta missão, observava atentamente o que o meu pai comia e, se não comesse sopa, dizia logo: “se patrão não come, eu também não come”. Mas, quando o meu pai comia a sopa, ele também não comia … deitava-a na pia, depois de ter sido apanhado a despejar a tigela pelo muro da varanda.
Lembro-me do dia em que a minha mãe o encontrou no corredor, bebendo pelo gargalo da garrafa de vinho, no trajecto da cozinha à varanda (onde sempre fazíamos as refeições).
Mas as melhores memórias do Zé Maria eram do quintal e da rua onde andava num triciclo monstruoso para o meu tamanho, mandado fazer pelo meu pai, com 3 rodas de bicicleta. E daquele dia em que fomos apanhados pelo “carro do desinfectante” e ficámos perdidos, cheios de medo, no meio de um espesso manto leitoso e com cheiro de insecticida (na época havia desinfecções periódicas na cidade, sem aviso prévio). Mas eu dizia que não tinha tido medo porque o Zé Maria era grande e eu conseguia vê-lo – seria por ser negro? Durante muitos anos tive pesadelos de estar perdida num manto branco de leite mas não tinha o Zé Maria para me aliviar o medo.
Mas houve um dia em que odiei o Zé Maria …
Tínhamos um papagaio que falava muito e era muito porco – mas eu gostava dele porque gritava quando via o meu pai na esquina e eu e o Zé Maria corríamos do quintal para eu lavar mãos e cara, tirar o bibe e parecer menina bem comportada. O Zé Maria era responsável pela limpeza da gaiola: levava a gaiola aberta com o bicho até ao quintal e mergulhava gaiola e pássaro num grande tanque, as vezes necessárias até estar tudo limpo … O papagaio não gostava e bicava-o constantemente para além de lhe retribuir a alcunha de “porco”, que o Zé Maria lhe tinha dado. Um dia, quando regressávamos de uma viagem a Sto António do Zaire (onde íamos de vez em quando visitar uns tios), o papagaio tinha fugido e o Zé Maria desfazia-se em lágrimas de desgosto…
O meu pai ralhou muito, eu chorei com saudades do bicho mas acabara-se o calvário das bicadas. E não houve anúncio de jornal que o papagaio lesse …
O Zé Maria falava um português que se entendia bem e que foi aperfeiçoando depois de viver connosco mas o meu pai, queria que ele soubesse escrever bem. Missão que eu achava difícil (estava na 1ª classe) e recordo como me orgulhava do Zé Maria quando apresentava uma redacção cheia de erros e, depois da zanga do meu pai, ele respondia: «patrão, leia, leia a ver se tem diferença”!
Também recordo o silêncio do Zé Maria quando, da janela do corredor que dava para a parada do quartel, víamos entrar pelo portão filas de negros acorrentados, mantidos “em ordem” por soldados brancos. Soube mais tarde que eram “recrutas voluntários”!...
Nesta missão, observava atentamente o que o meu pai comia e, se não comesse sopa, dizia logo: “se patrão não come, eu também não come”. Mas, quando o meu pai comia a sopa, ele também não comia … deitava-a na pia, depois de ter sido apanhado a despejar a tigela pelo muro da varanda.
Lembro-me do dia em que a minha mãe o encontrou no corredor, bebendo pelo gargalo da garrafa de vinho, no trajecto da cozinha à varanda (onde sempre fazíamos as refeições).
Mas as melhores memórias do Zé Maria eram do quintal e da rua onde andava num triciclo monstruoso para o meu tamanho, mandado fazer pelo meu pai, com 3 rodas de bicicleta. E daquele dia em que fomos apanhados pelo “carro do desinfectante” e ficámos perdidos, cheios de medo, no meio de um espesso manto leitoso e com cheiro de insecticida (na época havia desinfecções periódicas na cidade, sem aviso prévio). Mas eu dizia que não tinha tido medo porque o Zé Maria era grande e eu conseguia vê-lo – seria por ser negro? Durante muitos anos tive pesadelos de estar perdida num manto branco de leite mas não tinha o Zé Maria para me aliviar o medo.
Mas houve um dia em que odiei o Zé Maria …
Tínhamos um papagaio que falava muito e era muito porco – mas eu gostava dele porque gritava quando via o meu pai na esquina e eu e o Zé Maria corríamos do quintal para eu lavar mãos e cara, tirar o bibe e parecer menina bem comportada. O Zé Maria era responsável pela limpeza da gaiola: levava a gaiola aberta com o bicho até ao quintal e mergulhava gaiola e pássaro num grande tanque, as vezes necessárias até estar tudo limpo … O papagaio não gostava e bicava-o constantemente para além de lhe retribuir a alcunha de “porco”, que o Zé Maria lhe tinha dado. Um dia, quando regressávamos de uma viagem a Sto António do Zaire (onde íamos de vez em quando visitar uns tios), o papagaio tinha fugido e o Zé Maria desfazia-se em lágrimas de desgosto…
O meu pai ralhou muito, eu chorei com saudades do bicho mas acabara-se o calvário das bicadas. E não houve anúncio de jornal que o papagaio lesse …
O Zé Maria falava um português que se entendia bem e que foi aperfeiçoando depois de viver connosco mas o meu pai, queria que ele soubesse escrever bem. Missão que eu achava difícil (estava na 1ª classe) e recordo como me orgulhava do Zé Maria quando apresentava uma redacção cheia de erros e, depois da zanga do meu pai, ele respondia: «patrão, leia, leia a ver se tem diferença”!
Também recordo o silêncio do Zé Maria quando, da janela do corredor que dava para a parada do quartel, víamos entrar pelo portão filas de negros acorrentados, mantidos “em ordem” por soldados brancos. Soube mais tarde que eram “recrutas voluntários”!...
2 comentários:
Há sempre um Zé, angolano ou moçambicano, na nossa memória. E como este Zé estava garboso, na sua farda branca, para servir à mesa.O riso, "quase" infantil,chama
o nosso. Também eu lhe sorri.isa.
Voltei a este Zé, que me tocou.Engraçado...por mais que tente o meu lado sentimental ñ me larga!! Acho-o tão menino! Tão feliz! Um abraço.isa
Enviar um comentário